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sábado, 29 de outubro de 2011

Confissões de Augsburg - começou!

Isso mesmo: começou. Após passar mais de três meses à deriva, finalmente voltei a frequentar uma aula e me preocupar com datas, horários e prazos. Não estou reclamando: é sempre bom ter um tempo à toa, mas também é muito boa a sensação de que você está nos trilhos novamente. Eu particularmente não acho que foram três meses perdidos. Foram muito importantes para resolver os problemas relativos ao meu intercâmbio e preparar minha ida. Além disso, foram três meses relativamente produtivos: estudei bastante alemão e li pelo menos sete livros.

Tive minha primeira aula no dia 22, um sábado de manhã. Não me pergunte o porquê desse horário. Começou às 9h e foi até 12h. Era uma manhã fria com muita neblina, como têm sido todas as manhãs aqui. Pude usar pela primeira vez o casaco de camada dupla que tinha comprado na sexta de manhã. Chegando à universidade, tudo vazio, como uma cidade fantasma. Não tive dificuldade para achar minha sala, pois já tinha dado uma volta na faculdade a fim de aprender onde ficava cada sala na qual eu teria aula. Antes do início da aula os dois professores se apresentaram e pediram para cada um se apresentar. Depois explicaram o programa e combinaram os horários. A matéria é sobre colonialismo e imperialismo na Alemanha Guilhermina e pretende nos aproximar dos documentos necessários no estudo desse período. Teremos uma visita guiada a um arquivo aqui na cidade de Augsburg mês que vem. A primeira aula, portanto, foi mais um exercício de paleografia: eles passaram alguns textos manuscritos para que cada um pudesse ler em voz alta o seu conteúdo, enquanto o professor corrigia. Cada um leu duas linhas. Fiquei meio tenso, com medo de dar vexame, mas me saí relativamente bem. Depois o professor passou uma série de questões no quadro que seriam abordadas, do tipo: “A Alemanha precisava de colônias? Qual foi o impacto do imperialismo alemão nos povos conquistados? Qual o significado das colônias na história alemã?”. Ele respondeu resumidamente cada uma delas, o que somente com muita dificuldade pude acompanhar. Não consegui anotar quase nada. Depois ele desenhou um mapa da África no quadro. Então perguntou quem sabia onde ficava cada colônia alemã e pediu para que quem soubesse traçasse no mapa. Pedi a palavra e tracei duas: Togo e Camarões. Foi o ápice da minha participação nessa matéria, pois não acho que poderei dar mais contribuições relevantes nas discussões que se seguirem. As discussões e debates que se sucederam naquele dia eu mal pude acompanhar. No fim da aula o professor passou outro documento manuscrito para que pudéssemos transcrever e enviar por e-mail até quarta-feira. Os alunos alemães têm um ritual interessante ao fim de cada aula: batem na mesa com a mão (como se estivessem batendo na porta), como uma forma de agradecimento ao professor pela aula (quase como se fosse um bater de palmas).

Saí da universidade e fui almoçar ao lado da prefeitura em um restaurante de comida bávara. Ao sair, uma surpresa: centenas de turcos ocupavam a praça da prefeitura portando bandeiras da Turquia, segurando placas e cantando hinos. Mais tarde descobri que eles protestavam contra um atentado do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) contra soldados turcos. Assistindo a isso tudo estava a estátua de Augusto, imperador romano que fundou Augsburg em 15 a.C. O que diria ele se estivesse vivo e visse aquela leva de “bárbaros” se manifestando em sua cidade, em plena praça pública? Dia após dia, uma das coisas que mais chamam minha atenção aqui na Alemanha é a força e a expressão da comunidade turca. Ontem, por exemplo, a Turquia comemorou 88 anos de independência e houve várias festas.

Na tarde de sábado comecei a transcrever o manuscrito que o professor passou. O problema é que ele estava deploravelmente esgarranchado – muito mais do que aqueles que lemos em sala. Dediquei quase toda minha tarde de sábado e domingo à tentativa de transcrevê-lo e felizmente tive sucesso. Em todo o documento, apenas uma palavra permaneceu desconhecida pra mim.

Na segunda-feira à tarde tive minha primeira aula de Primeira Guerra Mundial. Nada muito diferente da outra aula: ele passou o programa, falou como seriam as aulas, mas não começou a dar a matéria ainda – fez apenas a introdução. Mais tarde, naquele mesmo dia, tive outra aula com o mesmo professor: Textos-chave para se entender o período 1830-1930. Iremos ler autores clássicos desse período: Tocqueville, Marx, Stuart Mill, Darwin, Freud, Nietzsche e Weber (tudo em alemão! Exceto o Stuart Mill que é em inglês). O professor foi bonzinho e emprestou para cada aluno o xerox de todos os textos que iremos utilizar.

Depois dessa aula fui até a biblioteca. Quase tive um ataque de euforia! Seria redundante dizer que a parte de História da biblioteca é imensa, com várias estantes e vários livros sobre vários temas. Quase me perdi no meio daquilo tudo. Minha euforia, no entanto, não foi por causa disso. Naquela tarde de segunda-feira, ao me sentar para estudar, me senti em casa – nunca havia me sentido tão em casa desde que cheguei nesse país. Também naquela tarde descobri porque eu gosto tanto de estar em uma biblioteca. Não é porque tem livros, nem porque gosto de estudar. É porque a biblioteca é um dos poucos lugares no mundo onde você não precisa ser simpático. Na biblioteca você não precisa ter assunto, não precisa se entrosar com ninguém, não precisa puxar conversa; melhor ainda: você não pode puxar conversa. Lá ninguém te olha torto quando você se senta em um canto sem falar com ninguém. Muito pelo contrário: justamente quando você começa a puxar conversa é que te olham torto. Só o que podemos fazer em uma biblioteca é aquilo que sei fazer de melhor: sentar e ficar calado. Enquanto você estiver disposto a ficar quieto, você será sempre bem-vindo em uma biblioteca, e isso – acredito eu – em qualquer lugar do mundo. A única coisa que me tirou do sério nessa biblioteca foram os armários para guardar mochilas. Tem que depositar duas moedas de dois euros pra poder fechá-lo, mas depois que você abre as moedas caem de volta. Desde que descobri isso carrego sempre duas moedas de dois euros comigo para evitar desgosto.

Naquela tarde comecei a ler um livro que o professor da matéria de sábado recomendou: “História colonial alemã”. O primeiro capítulo foi até tranquilo, mas à medida que avanço vou encontrando mais dificuldades. Preciso sempre ter um dicionário ao lado, mas o que me consola é perceber que estou usando-o cada vez menos.

Na terça tive minha primeira aula de alemão. Na minha sala tem gente de todos os lugares: Itália, Irlanda, República Tcheca, Japão, China, Turquia, País de Gales, Rússia... Esses são os que me lembro. À noite saí com algumas pessoas aqui da moradia e descobri, aqui nas redondezas de onde moro, três cinemas de filmes alternativos! Um deles se chama “Mephisto” e é também uma livraria – com uma loja em frente à universidade. O problema é que alemães não gostam muito de legenda, por isso todos os filmes são dublados – inclusive do Almodóvar. Enfim, mais uma oportunidade de treinar a o idioma.

Quarta às 8:15 tive mais uma aula. Foi introdução à matéria de Primeira Guerra: as causas do conflito. Foi bem confusa a aula, entendi pouca coisa, mas acho que essa matéria não vai ter prova. Terei, porém, um trabalho. A distribuição do tema foi na quarta também e eu escolhi falar sobre a visão que os soldados tinham da guerra na qual participavam. No meu grupo tem mais dois: um alemão e um espanhol – que, assim como eu, está meio perdido por não falar bem alemão. Pelo menos alguém que me entende.

No final da tarde de quarta resolvi tomar uma providência em relação à ausência de cadeira no meu quarto: liguei para o zelador substituto (o oficial está de férias até dia 8 de novembro). Ele disse que não pode me ajudar, pois só está disponível para emergências, e que devo esperar até dia 8 para falar com o zelador oficial. "Até lá" ele disse "você vai ter que se sentar na cama...” Quase morri de desgosto. Minhas costas doem demais de ficar na cama usando o computador. O local onde se liga o cabo da internet é bem longe da cama por isso não posso me encostar na parede.

Quinta-feira li mais um capítulo do livro sobre expansão colonial alemã e comecei a ler Tocqueville - introdução de "O antigo regime e a revolução" e introdução de "Democracia na América". Tem sido bem difícil... Mas acho que é um esforço necessário para quem quer aprender uma língua. Sexta-feira tive que ir ao Aldi Süd (o mercado aqui perto) comprar material de limpeza, pois meu quarto está muito empoeirado e eu tenho tossido com frequência essa semana, além de estar ficando um pouco rouco. De tarde tive a única aula que ainda me restava: temas de pesquisas sobre o Nacional-Socialismo. Os professores pediram pra gente se apresentar e apresentaram o programa da matéria, bem como as leituras. A prova será apenas um exame oral. Nessa aula percebi uma coisa que já vinha notando na Alemanha: o quanto os cachorros são bem-vindos. O cachorro entra no ônibus, no bonde, na faculdade... Qualquer um com um cachorro de estimação pode entrar com ele nesses lugares, desde que o cachorro se comporte. Uma das meninas assistiu à aula com o cachorro dela ao lado: ele era grande, magrelo, tinha os olhos verdes mas não sei de que raça era; ficava quietinho do lado dela e só de vez em quando ele resolvia cheirar as mesas ou as cadeiras. Os professores nem se importaram. Na hora em que cada aluno se apresentou eles pediram à dona do cachorro que o apresentasse também.

A aula inicial foi bem interessante: a turma se dividiu em grupos de quatro para responder a um quiz sobre o período nazista. Eram algumas folhas com atividades testando nosso conhecimento. Primeiro várias fotos de algumas figuras importantes do Terceiro Reich. Tínhamos que identificar o nome de cada um e sua função. Não pude ajudar muito meu grupo nesse sentido. Reconheci apenas o Hitler (claro!), Heinrich Himmler e Joseph Goebbels (aquela clássica foto dele discursando com um uniforme militar). Em seguida tinha uma lista de abreviações para identificarmos o significado de cada uma (só sabia NSDAP, HJ, SS e SA). Depois havia fotos de eventos-chave da Segunda Guerra para identificarmos a data e o acontecimento. Por fim, um mapa da Alemanha nazista para que identificássemos o nome de cada região anexada.

Na sexta-feira à noite criei vergonha na cara e limpei meu quarto com os produtos que havia comprado de manhã. Um horror! Tufos e mais tufos de poeira por todos os lados, principalmente embaixo do aquecedor. Como faz muito frio, abro muito pouco a janela, o que favorece o acúmulo de poeira e cria um ambiente propício para alergias. No domingo pretendo deixar as janelas abertas de tarde por mais tempo, a fim de deixar o ar circular um pouco.

Sábado de manhã veio aquilo pelo que esperei a semana toda: a excursão ao Partnachklamm. É um parque natural que fica na região de Garmisch-Partenkirchen, bem ao sul da Bavária, perto da fronteira austríaca. Saí de casa bem cedo e a neblina cobria quase tudo. Ao lado da porta da moradia, o vidro que protegia a lista dos números dos apartamentos e seus respectivos moradores estava quebrado, e a lista não estava mais lá. Cada dia me preocupa mais a segurança aqui na moradia. Não bastasse a televisão roubada, agora esse vidro quebrado. Na sexta à noite houve uma festa de Halloween no 19º andar, talvez tenha alguma coisa a ver com isso – ou não, não faço ideia.

A excursão foi organizada pelo departamento de estrangeiros da Uni-Augsburg. O lugar é uma maravilha: passamos pelas típicas fazendas da Bavária e vimos cavalos, ovelhas e bois em grandes pastagens. O parque natural também é muito bonito: vários túneis e cavernas, cachoeiras, rios e uma enorme gruta. Além disso, passamos por vários desfiladeiros e ao longe víamos diversas montanhas cobertas de neve. Foi uma caminhada e tanto. Achei que iria morrer de frio mas acabei tendo que tirar meu casaco: estava fazendo sol e eu suava. Além disso, meus tênis me matavam. Cheguei em casa com duas bolhas enormes em cada um dos dedões. Prometi a mim mesmo que vou comprar tênis novos na segunda-feira.

Terça-feira é feriado (dia de todos os santos), mas terei aula normalmente na segunda. Penso em ir ao memorial do campo de concentração de Dachau na terça, mas ainda não sei. Minha tosse parou ao longo da caminhada, mas foi só voltar ao quarto que ela recomeçou. Estou tomando um antialérgico e vou ver se melhora. Tenho pensado muito: sinto falta de muita coisa no Brasil, mas não a ponto de querer voltar agora. Confesso que estou feliz aqui, mas confesso também que não aguentaria ficar para além de fevereiro.

A tendência agora é que eu crie uma rotina, por isso não sei se terei mais tanto assunto para escrever pela frente.
A você que me acompanha um grande abraço!

Um comentário:

Tat disse...

abraço pra vc tbm!
amei a história do cachorro e da garota ter q apresentá-lo
respeito com os animais e com as pessoas, assim espero

aproveite!