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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Os fantasmas do professor Ernesto G.

O curso de História da Universidade Federal de Minas Gerais possui vários motivos para se orgulhar. Um dos principais deles é o professor Ernesto G. Ernesto G. é o mais conceituado e experiente professor de História do Brasil Contemporâneo em todo o departamento, e ocasionalmente leciona algumas disciplinas optativas sobre ditadura militar brasileira – seu tema preferido, não apenas por estudá-lo há muitos anos, mas também por tê-lo vivenciado.

Suas aulas sobre a Ditadura Militar têm um fino toque de sadismo. Se por um lado o tema o atrai, por outro lhe traz o horror de lembranças que jamais se apagarão. Ele se lembra, todos os dias – como se fosse ontem – do medo que sentia no tempo em que era um jovem universitário, quando ia para a aula sem saber se voltaria para casa; quando freqüentava reuniões do DCE sem saber se elas durariam até o fim; quando tinha aulas sobre marxismo e esperava, apreensivo, algum infiltrado soltar uma voz de prisão contra seu professor.

O professor Ernesto G. sabe que os tempos mudaram e que, graças à sua geração, hoje todos respiram democracia. Mas, ainda assim, os fantasmas da ditadura continuam a assombrá-lo. Quando trata de temas polêmicos em suas aulas, Ernesto G. fica assustadiço: vê uma aluna puxando o iPod de sua mochila e confunde-o com o gravador de algum agente infiltrado; um aluno acidentalmente esbarra no interruptor, e Ernesto G. acha que estão sabotando sua aula; alguém deixa um estojo pesado cair no chão, e Ernesto G. quase se abaixa, a fim de escapar do suposto tiro.

Ernesto G. vive amedrontado.

Mas nem só de sustos vive nosso grande professor. Sua vida acadêmica é bastante regrada. Corrige provas como quem resolve um problema matemático: atento ao menor e mais insignificante erro, a fim de corrigi-lo e subtrair generosos pontos do aluno. Durante a aula exige silêncio: Ernesto G. expulsa da sala uma média de três alunos por semana, alegando estarem “atrapalhando o bom andamento da aula”. Todo grupo que ousar, em um trabalho, salientar qualquer ponto positivo do Regime Militar, é rapidamente censurado pelo professor. Diz Ernesto G. que falar bem da ditadura é uma atitude “fascista”. Ernesto G. não pode permitir que haja fascistas entre seus alunos.

Ademais, Ernesto G. também exerce funções fora da sala de aula. Ele é o dirigente do Centro de Memória do Trabalhador (CMT), entidade vinculada à universidade que procura resgatar todo o passado dos trabalhadores brasileiros: suas lutas, conquistas e percalços. Aqui, mais do que nunca, Ernesto G. é enfático: não admite postergações, “prazo é prazo”, e quem não entregar o trabalho na data certa ou se atrasar para os encontros corre o sério risco de ficar de fora do Centro. Afinal de contas, Ernesto G. não pode, de forma alguma, permitir que a memória do trabalhador brasileiro seja tratada com o mínimo descaso.

O último projeto no qual o CMT esteve envolvido foi o Museu do Trabalhador Mineiro. O professor Ernesto G., obviamente, foi protagonista desse empreendimento. Ele coordenou a reunião de um vasto acervo de fotos, vídeos, objetos e textos que buscam manter vivas a dignidade, a tenacidade e a história do trabalhador mineiro – desde o escravo que morria nas minas até o operário sindicalista que era preso pelos milicos.

O professor Ernesto G. é incansável.

Quando finalmente chega o grande dia em que o Museu vai ser inaugurado, Ernesto G. está nervoso. Não, não são os militares que o assustam dessa vez; pelo contrário. Ernesto teme que algo dê errado, quer assegurar que tudo corra na mais perfeita harmonia, e que seu museu seja inaugurado em paz. Liga para a equipe de segurança, pede que reforcem o policiamento, pois sabe que na rua de trás do museu há um grande número de moradores de rua. O professor Ernesto não quer e não pode admitir que “uns catadores de papel de pé no chão e vestidos em frangalhos” entrem no museu, nem que “uns vendedores de doce e pipoca” oportunistas aproveitem o movimento para assediar os convidados com seu produtos. Mas, para a felicidade de nosso professor, tudo dá certo e o museu é inaugurado sem maiores problemas.

Feliz está Ernesto G., e mais felizes ainda seus bolsistas, pois sabem que o menor desvio iria significar a rescisão de seus estágios.

Grande Ernesto G.!