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domingo, 22 de abril de 2012

Digressões de Augsburg

O que dizer de meus últimos três dias na Alemanha? Aqueles que se seguiram ao meu último post.

Tudo transcorreu rapidamente, como se cada hora que passasse me jogasse de volta pra cá. Na segunda, dia 27, parti para minha missão de tudo ou nada: encontrar a placa indicando onde havia acontecido a Confissão de Augsburg, evento histórico que eu tinha grifado na minha apostila de cursinho e que inspirou os títulos das postagens desse blog nos últimos cinco meses. Não fazia sentido eu ter passado cinco meses em Augsburg sem ver essa placa. Uma guia turística havia me dito onde ele ficava, mas por várias vezes visitei o tal lugar sem qualquer sucesso. Decidi voltar ao pátio em volta da catedral de Augsburg para ver se o encontrava. Olhei atentamente para todos os lados, todas as paredes, seguindo fielmente as coordenadas que a guia havia me passado. Não vi nada que já não tivesse visto antes. Passei pelo parquinho infantil, pela estátua em homenagem à guerra de unificação, pelo jardim, até me postar em frente à entrada do prédio onde funcionava a administração central da Suábia – um dos distritos nos quais se divide a Bavária. Nada. Tudo parecia se encaminhar para mais um resultado frustrado. Quando ia atravessar o prédio para ir até o outro lado, já sem muita esperança, resolvi olhar para a direita, sem muito compromisso nem motivo... E foi aí que eu achei!

Era uma placa meio cinza ou preta, tão escura que se confundia com a parede do prédio na qual ela estava talhada. Por isso era tão difícil vê-la. De início não tive certeza se era ela mesma, mas ao chegar bem perto e ler seu conteúdo, confirmei minha suspeita. Quase não acreditei que somente no meu último dia na Alemanha fui achar aquilo que procurei o semestre inteiro. Fiquei contemplando-a por alguns segundos. Depois olhei para cima e vi um avião lá no alto; foi o sinal de que era a hora de voltar.

Infelizmente, essa não foi a última página do meu intercâmbio. Ficou tudo reservado para o dia 28, o dia de voltar. Assim como a pior noite de todo o intercâmbio foi a primeira, a pior manhã foi a última.

Na terça de manhã eu iria ao banco cancelar minha conta e meu cartão. Porém, a menina que havia sublocado meu quarto tinha transferido o dinheiro para minha conta na sexta, e até então (terça de manhã) não havia nem rastro do dinheiro na conta – sendo que meu voo estava marcado para as 18h. Fiquei atualizando o site do banco várias e várias vezes pra ver se o dinheiro aparecia, e nada. Fui até o banco, expliquei à atendente minha situação, e o que ouvi foi um soco inglês no estômago: “pode ser que o dinheiro caia hoje à tarde, pode ser que caia à noite, pode ser que caia só amanhã...”. De fato, os bancos na Alemanha ainda estão na idade da pedra lascada. Nunca vi um lugar tão difícil pra se lidar com bancos como lá. Enquanto o dinheiro não caísse não daria pra fechar a conta. Voltei pra casa sem saber como agir. Decidi que ia acabar de limpar meu quarto, jogar algumas coisas no lixo e, quem sabe, nesse meio tempo o dinheiro cairia.

Mas o desespero ia batendo cada vez mais. Imagine: sublocar o quarto para alguém e ir embora sem o dinheiro? Sair do país e deixar uma conta aberta lá em meu nome? Sempre tive uma paciência nula com bancos, e a Alemanha só piorou esse meu hábito. Quando saí do quarto pra jogar o lixo fora, outro soco inglês no estômago. Como se o problema do dinheiro já não fosse o suficiente, percebi que eu havia fechado a porta com a chave lá dentro! E na Alemanha é impossível abrir a porta por fora sem a chave, mesmo estando destrancada. A maçaneta é falsa, não gira.

Logo que percebi a merda que havia feito, meu primeiro impulso foi desmoronar no corredor e ficar lá caído por toda a eternidade. Era muita adrenalina pra uma manhã só – mais adrenalina do que todos aqueles cinco meses juntos. Estava atônito. Bati na porta do Maurício – o brasileiro, meu vizinho. Ele não atendeu – e mesmo se tivesse atendido, não poderia me ajudar em nada. Resolvi então correr até lá embaixo na tola esperança de encontrar o zelador, que tem a chave mestra; o zelador, que só trabalha uma hora por dia. Ao longo de todo esse semestre vi esse tipo de problema acontecendo com vários estudantes da moradia; eu suspeitava que um dia ia acontecer comigo, só não esperava que seria justo no meu último dia.

Mas o que parecia uma tragédia acabou se configurando como um susto, graças aos lapsos de sorte extrema que costumo ter vez ou outra na vida. Quando entrei no elevador, adivinha quem estava lá dentro? Ele mesmo, o zelador. Supliquei a ele que me ajudasse, e na mesma hora ele foi até meu quarto e abriu a porta. Tive vontade de beijá-lo. Agradeci-o imensamente, falei que eu já estava indo embora e ele desejou boa viagem de volta.

Nisso, o Maurício abriu a porta de seu quarto com cara de sono. Pedi desculpas por tê-lo acordado e ele disse que não tinha problema: “já estava na hora...”. Expliquei a ele minha situação e ele se ofereceu a me ajudar: disse que poderia transferir o dinheiro pra mim no Brasil assim que ele caísse, bem como fechar minha conta. Para isso, só precisaria de uma procuração. Agradeci-o, e disse que iria esperar mais um pouco pra ver se o dinheiro realmente cairia. Caso contrário, a ajuda seria muito bem-vinda.

Joguei fora o lixo e continuei limpando o quarto para o tempo passar. Lá pelas onze acessei novamente o site do banco e o melhor havia acontecido: o dinheiro estava lá!
Bati na porta do Maurício de novo, expliquei que já estava tudo resolvido e despedi-me dele, desejando boa sorte na entrevista de emprego que ele teria mais tarde. Voltei então ao banco, saquei o dinheiro e fechei minha conta. O atendente também me desejou um bom voo de volta. E voltei ao meu quarto pela última vez.

Com duas malas de rodinha (uma de 25 e outra de 15 kg) saí de meu quarto. Dei uma última olhada, como que dizendo “sentirei saudades” e tranquei a porta. Lá fora também dei uma última olhada para o prédio da moradia. No ponto de ônibus, o ônibus 23 passou antes do bonde número 1 (ambos passavam pela a estação). No meu primeiro dia em Augsburg eu também tinha pegado aquele ônibus para chegar à moradia. Joguei um último olhar a todos aqueles prédios e casas que eu sempre via, e que já tinham virado parte do meu cotidiano. Chegando à estação, logo na entrada, vi um professor meu da universidade saindo. Ele passou do meu lado, mas não me viu. Era o último conhecido que eu via na Alemanha. Na hora de comprar a passagem para o aeroporto, um homem me abordou perguntando se eu queria dividir um ticket com ele, pois ele ia para Munique. Aceitei porque sairia bem mais barato. Enquanto aguardávamos, algumas mulheres uniformizadas chegaram ao centro da estação e começaram a distribuir pacotes daquele iogurte Activia gratuitamente. Foi com um pesar imenso que tive que recusar a oferta: eu amo aquele iogurte, mas já estava com muita coisa pra levar; minhas malas – as duas – estouravam o limite de peso.

Assim, conduzir aquelas duas malas até o trem foi um sacrifício. Chegando à estação central de Munique, peguei o outro trem para o aeroporto, onde a balconista do check-in muito gentilmente me liberou para embarcar, mesmo minha bagagem de mão pesando oito quilos a mais que o permitido. Na espera pelo embarque, tentei relaxar daquele rebuliço todo. Estava com muita fome (não tinha almoçado) e resolvi pedir um sanduíche em uma lanchonete ali mesmo na sala de embarque. Comi-o com muito gosto. Pouco antes de entrar no avião, uma última mensagem no meu celular de despedida.

Havia acabado. Enfim, havia acabado!