Visualizações de página do mês passado

domingo, 3 de maio de 2020

Diários de quarentena - 02 de maio de 2020

Se a História fosse um circo, os otimistas seriam os palhaços.

Alexis de Tocqueville diz que a nobreza francesa, bem como de outros países europeus, subestimou a Revolução Francesa, acreditando se tratar de uma agitação passageira. Quando a Primeira Guerra Mundial estoura em julho de 1914, soldados dos dois lados se despediram de seus familiares afirmando que estariam em casa para o Natal.

Mais recentemente (2008), em plena crise financeira internacional, o presidente Lula afirmou que no Brasil a crise não passaria de uma "marolinha". E em 2020, em meio a uma pandemia de Covid-19, o presidente Bolsonaro referiu-se à doença como uma "gripezinha".

A Revolução Francesa se estenderia por mais uma década, abalando as estruturas sociais europeias e ecoando nas Américas. A Primeira Guerra duraria mais quatro anos e mataria mais de 15 milhões. A longo prazo, a crise financeira de 2008 prepararia o terreno para a ascensão da extrema direita no mundo alguns anos mais tarde, incluindo-se aí ninguém menos que... Bolsonaro, cuja gripezinha já matou 6.570 brasileiros (entre atletas e sedentários) segundo os números oficiais divulgados hoje.

Eu me atrevo a fazer uma confissão que motivaria muitos de meus colegas a me crucificarem.

Por muito tempo eu subestimei a classe média reacionária brasileira. Não conseguia ver neles o instinto sanguinário que muitos lhe atribuíam. Não achava que "fascista" era o termo correto para designá-los. Tentei, muitas vezes, me colocar no seu lugar, entender seu ponto de vista, pois como um estudante da História das direitas sempre achei que esse fosse meu papel. Porém, o noticiário recente sepultou para sempre qualquer tentativa de empatia que eu pudesse ter.

O bolsonarismo olavo-terraplanista é um grande apanhado de tudo de pior que existe nesse país. Ele é o ódio ao conhecimento, o horror à ciência, o desprezo total pela razão, aliados a um apego orgulhoso, incontrolável e doentio à ignorância. Não satisfeitos em dizer que a pandemia é uma farsa e que os números estão inflacionados, fazem carreatas pela reabertura do comércio, aglomeram-se para recepcionar o presidente para onde ele vai e espalham notícias falsas dizendo que a China está disseminando máscaras contaminadas com o vírus mundo afora.

Porque não basta arrastar todos para a rua quando a doença mata mais de 400 brasileiros por dia. Também é preciso assegurar que eles não tenham qualquer proteção. Inclusive, fontes seguras me informaram que, para a próxima epidemia de dengue, os bolsonaristas já estão organizando manifestações pelo direito de acumular água parada, bem como disparos de fake news denunciando repelentes contaminados.

A esquizofrenia argumentativa é tamanha que, ao mesmo tempo em que dizem que não há pessoas morrendo de Covid-19, também dizem que o vírus foi manipulado em laboratórios como parte de um plano maligno da China para desestruturar a economia ocidental.

"A China espalhou um vírus mortal no mundo, ergo vamos sair às ruas como se nada estivesse acontecendo!".

Dentro de alguns anos, não sei se tais movimentos seriam enquadrados como otimistas ou pessimistas, mas uma coisa é certa: pessimistas ou otimistas, eles certamente entrarão para a História como palhaços - e não do tipo engraçado.