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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Fãs

Desde a minha infância, passando pelos turbulentos anos da adolescência até os meus atuais 26 anos de idade, nunca tive muita afinidade com a ideia de ser fã de algo ou alguém.

Nunca conheci um artista ou banda capaz de me fazer desembolsar horrores a fim de ir ao seu show. Nunca gostei de um ator ou atriz a ponto de comprar revistas, pôsteres e jornais para espalhar pelo meu quarto. Nunca fiz loucuras em busca de um autógrafo ou de uma foto com ninguém, por mais genial e majestoso que ele ou ela fosse. E devo confessar que também nunca entendi a situação de quem se submete a isso. Seja por desapego, seja por indiferença, nunca consegui me imaginar sendo um fanático de qualquer tipo.

Aliás, a própria ideia de fanatismo sempre me despertou repulsa.

Não suporto, por exemplo, fãs de bandas. Especialmente quando eles se julgam superiores a todos os demais e acreditam, ingenuamente, que seu gosto musical ultra refinado é um indicativo de sua superioridade intelectual. Há fãs musicais que se veem como oásis de cultura e civilização em meio a uma horda de ignorantes barbarizados ouvindo ritmos supostamente inferiores. Isso sem contar aqueles que adoram ostentar seu conhecimento musical, esfregando na cara dos outros um monte de nomes de bandas e estilos musicais que só eles conhecem. Quem nunca teve um amiguinho ou amiguinha que, no ápice de sua adolescência, sonhava em sair por aí ameaçando pessoas que usavam camisas de bandas sem saber o nome do vocalista ou de uma música do novo álbum?

Apesar de ser cruzeirense, acho ainda mais intragáveis os "militantes" de futebol. Isso porque são pessoas que colocam seu time acima de tudo e de todos, como se o clube para o qual alguém torce fosse o critério mais importante da personalidade de uma pessoa. Eu sempre disse: se quiserem entender como funciona um regime totalitário, experimentem passar quatro ou cinco meses em uma torcida organizada. Veja ainda aqueles torcedores que enchem o peito para falar que gastaram 100, 200, 300, 700 reais para assistir a um jogo. Exibem essas cifras como cicatrizes de guerra. Como se torrar dinheiro para ir ao estádio fosse um diferencial em relação aos torcedores adversários.

A maioria desses "militantes" de futebol encontra na humilhação dos rivais a chave para se revigorarem. Antigamente, agredia-se o torcedor rival com ofensas racistas, como se ter um jogador ou torcedor negro fosse motivo de vergonha. Hoje, o motivo de vergonha é ser homossexual ou afeminado. Daí termos como "bambi", "marias", "frangas" e o diabo a quatro, orgulhosamente urrados em estádios e redes sociais até mesmo por homossexuais (tive experiências concretas no meu Facebook há não muito tempo).

Igualmente insuportáveis são os fanáticos da política. Aqueles seres enjoados que defendem seu partido ou político com uma paixão cega a ponto de não verem nada senão suas virtudes. Sabe aquele seu amigo (a) apaixonado (a) por um (a) mulher/homem que o (a) faz de capacho, mas acha um absurdo quando alguém lhe mostra isso? Pois é, quase igual. Nessas eleições tivemos exemplos memoráveis disso. Eleitores de Aécio abominando a "mídia controlada pelo PT", mas achando super normal a campanha eleitoral maciça que o Estado de Minas fez em prol do tucano em suas capas. Petistas associando a campanha de Aécio ao "golpismo, ao militarismo e ao fascismo", mas achando tranquilo a Copa do Mundo e seus custos sociais (ocupação da UFMG por forças de repressão, expropriações a indenizações irrisórias, opressão sobre populações de rua). Já pararam pra pensar como se inflamaria a sanha teórico-conspiratória dos tucanos se o EM resolvesse fazer campanha para a Dilma? Ou como ficariam ensandecidos os petistas se a Copa do Mundo fosse fruto de um governo tucano?

Eu já.

Citemos, por fim, os fãs de séries: aquelas pessoas que dedicam parcelas religiosas de seu tempo para acompanhar uma série e se sentem semi-mortas sempre que ela termina. Nada contra essas pessoas ou seus hábitos, mas acho que jamais conseguiria acompanhar uma série ou novela de forma tão assídua.

Pois bem: o fanatismo nunca combinou comigo. Nunca consegui ser fã de nada nem de ninguém, e acho que mesmo se tentasse não conseguiria.

Hoje, porém, ao chegar em casa do trabalho, deparei-me com a notícia do falecimento de Roberto Gómez Bolaños, criador e intérprete do Chaves, Chapolin e tantos outros personagens que marcaram minha infância. Demorei um pouco pra acreditar, não só devido às muitas notícias falsas que já circularam sobre sua morte, mas também pela profunda tristeza que me causou. E foi aí que me dei conta de uma coisa para a qual nunca tinha parado para pensar: eu sou um fã de Chaves! Logo eu, um fã.

Por que será que nunca percebi isso antes? Simples. Porque fãs de Chaves não são como a maioria dos fãs. Eles não precisam acompanhar o seriado com um fervor religioso, pois a maioria já assistiu - e decorou - todos os episódios. Chaves não exige de seu espectador uma disciplina rígida como os seriados atuais: você pode assistir a um episódio da serie, ficar uma semana sem ver e depois tornar a assistir sem perder nada. Você pode até assistir várias vezes ao mesmo episódio que nunca irá se cansar. O fã de Chaves nunca diz: "minha série preferida acabou, e agora?!". Isso porque ele é, por definição, aquele que assiste ao mesmo episódio incansáveis vezes, sem nunca rir menos do que das vezes anteriores.

Melhor ainda: fãs de Chaves não precisam humilhar os fãs de outras séries, tal como o fazem muitos fãs de bandas e times. Quem é fã de Chaves encontra a plenitude apreciando Chaves. Não precisamos provocar ninguém para nos sentirmos melhores, pois já sabemos que ninguém jamais nos fará rir tanto quanto Chaves e seus congêneres. Não precisamos ostentar que sabemos o nome do operador de câmera do 19º episódio da série, nem que conhecemos toda a árvore genealógica de Roberto Gómez Bolaños. O que faz sentirmo-nos bem não é importunar os outros, mas sim assistir ao Chaves. Como seria bom se os fãs musicais pudessem apreciar suas respectivas bandas sem desprestigiar o gosto musical dos outros!

E que fique bem claro - antes que me acusem de incoerência - que não estou aqui para humilhar os fãs de outras áreas. Só o que quero dizer é que existem maneiras muito mais saudáveis de ser fã do que aquelas que nos fazem descambar para o ódio ou para discussões homéricas de Facebook que rendem 150 comentários ou mais.

Enfim, ser fã de Chaves não requer muito dinheiro, não exige sacrifícios nem loucuras e não implica em brigas inúteis com seus "rivais" - até porque não os temos.

Em um mundo no qual se sente cada vez mais necessidade de humilhar negros, mulheres e gays para torcer ou fazer humor, a morte de Roberto Gómez Bolanõs é ainda mais sentida. O humor ingênuo, puro e não apelativo de Chaves e Chapolin parece até uma miragem. E logo eu, que nunca quis nem consegui ser fã de nada ou ninguém, hoje fui surpreendido ao descobrir que sou um fã da produção do eterno Chespirito. Não daqueles que só viram fãs depois que o ídolo morre, mas sim daqueles que sempre foram fãs, mas nunca se deram conta. Isso porque ser fã de Chaves é algo tão sutil e inocente que parece até natural - como dormir ou gostar de churros.