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quinta-feira, 18 de abril de 2013

A lenda das tribos do sol e da lua

Em um recôndito local do continente americano, habitavam vários índios em aldeamentos em meio à mata densa. Todos esses indígenas viviam em um estado latente de conflito que, de tempos em tempos, acabava se concretizando. Acontece que esses nativos estavam fortemente divididos entre as tribos que adoravam o sol e as tribos adoravam a lua, o que alimentava uma rivalidade cada vez mais acirrada entre ambos os lados. Os conflitos entre os adoradores do sol e os adoradores da lua irrompiam bruscamente sempre que um fenômeno natural recorrente era presenciado pelos indígenas: quando a lua saía e o sol surgia, os adoradores do sol entravam em êxtase, cantavam louvores ao seu astro e atiravam humilhantes zombarias aos adoradores da lua, caçoando da fraqueza de seu ídolo, que se retirara; entretanto, era só o sol sair e dar espaço à lua que os adoradores desta iniciavam sua marcha triunfante entre as aldeias e as florestas, cantando a supremacia de seu ídolo e atazanando os adoradores do sol.

Com isso, adoradores do sol e adoradores da lua nunca viviam em paz. O período que se seguia ao triunfo do sol era marcado, quase sempre, por festividades nas quais seus adoradores agradeciam ao seu astro pela bondade, pela misericórdia e pelas bonanças trazidas. O período posterior ao triunfo da lua presenciava rituais, danças e as mais diversas e alegres manifestações por parte de seus seguidores, que se embriagavam exaltando o seu deus. Cada um dos grupos nutria a esperança de que um dia seu ídolo despontaria no céu e por lá ficaria por toda a eternidade, sem jamais permitir o retorno do outro. Entretanto, isso nunca ocorria. O sonho de um sol eterno ou de uma lua eterna, por algum capricho do destino, nunca era concretizado, embora nossos nativos nunca perdessem a esperança de algum dia presenciá-lo.

Num belo dia, em uma das muitas aparições do sol, seus adoradores saíram cantando vivas e louvores ao astro, exaltando sua superioridade sobre a lua, cantando suas virtudes e expressando suas mais sinceras esperanças de que, dali por diante, o sol nunca mais morreria. Mas eis que estavam enganados: após algum tempo, o sol saiu, a lua entrou e seus adoradores, ainda guardando as mágoas recentes de sua humilhação, voltaram com todo o vapor à ativa e disseram que os adoradores do sol estavam enganados, pois, como bem se podia ver pelo céu, era a lua quem predominava. Os adoradores da lua triunfaram e vingaram-se esplendidamente dos adoradores do sol, cujas esperanças já estavam quase acabando... Até que novamente o sol saiu!

De imediato, os adoradores do sol que se prostravam no chão diante dos impropérios dos servos da lua se levantaram, deram vivas ao seu astro que voltava triunfante e contemplaram os seus inimigos se prostrando no chão novamente. Os adoradores da lua choravam, se angustiavam, imploravam pelo seu deus e juravam vingança contra os servos do sol tão logo a lua retornasse. O retorno da lua não tardou. Aos poucos o sol se retirou de cena, a lua se impôs e os seus discípulos deram vivas a ela, novamente submetendo os adoradores do sol a humilhantes provocações.

Os adoradores do sol juravam que a lua era inferior, maléfica, ameaçadora e digna de nunca mais ocupar o espaço celeste. Eles sentiam imenso prazer em sacrificar animais e até outros homens em honra ao sol, mas sempre se lamentavam após esses sacrifícios, pois sabiam que nunca tinham feito o suficiente para proporcionar ao sol aquilo que ele merecia. “Blasfêmia!”, diziam os adoradores da lua. A lua, para eles, era imensamente superior, sem sombra de dúvidas, e tal superioridade era tão evidente que nem demandava comparações.

Se o sol estava no céu, seus adoradores, cheios de certezas e orgulho, proclamavam que “Sim, o sol sempre foi o melhor, ele sempre sobrepujou a lua, e, ao fim e ao cabo, o sol sempre vence!”. Mas era só a lua chegar, espantando o sol, que os adoradores da lua dirigiam-se aos adoradores do sol: “Como têm coragem de cantar as glórias de um astro tão decrépito como o sol?! Foi só a lua surgir que ele humildemente lhe cedeu espaço, sem nem questionar! Longa vida à lua!”.

Até que um dia o sol não saiu, pois nuvens espessas e escuras encobriam o céu e impediam todos os habitantes das aldeias de enxergarem-no. Regozijaram-se os servos da lua: “Seu astro os abandonou! Graças ao meu amor à lua não preciso me curvar diante de um deus que se esconde de seus servos!”. A lua não estava no céu, mas seus fieis estavam radiantes: o sol fora vencido pelas nuvens! Seu contentamento era tão grande quanto o dos adoradores do sol quando, em uma noite escura, perceberam que a lua também não sairia, bloqueada que estava pelas mesmas nuvens. Foi a vez dos adoradores do sol novamente se regozijarem e cantarem louvores às nuvens, por terem derrotado a lua desprezível. Os adoradores da lua caçoavam dos adoradores do sol, acusando-os de adorarem justamente as mesmas nuvens que haviam bloqueado o sol. Mas os servos do sol eram surdos a tais chacotas, e diziam-se grandes admiradores das nuvens graças ao serviço por elas prestado. Mas após um tempo o céu clareou, o sol não veio, encoberto pelas nuvens, e novamente os adoradores do sol se humilharam, traídos pelas nuvens. Aos adoradores da lua restaram o júbilo, as alegrias e os cantos – não mais à lua, mas às nuvens.

Até que em um dado momento todos se preocuparam. Os adoradores do sol começaram a fazer grandes fogueiras, pois acreditavam que assim atrairiam o sol de volta, no que foram copiados pelos adoradores da lua. A fogueira em prol do sol crescia muito, mas sempre era ultrapassada pela fogueira em homenagem à lua. A disputa entre as duas fogueiras se tornou crucial: quem fizesse a maior fogueira conquistaria seu deus de volta. Teve início uma ânsia desenfreada por se fazerem fogueiras altas, largas, vistosas e luminosas. Tudo o que havia para se lançar na fogueira para aumentar o fogo era lançado. E assim as fogueiras cresciam a olhos vistos, dia após dia.

As nuvens que encobriam o céu aos poucos iam saindo, mas os bravos indígenas não se davam conta: a fumaça de suas monstruosas fogueiras ia subindo e encobrindo o sol e a lua, deixando seus servos cada vez mais angustiados. Os adoradores do sol subiram no monte mais alto que encontraram para tentar puxar o sol de volta de onde ele havia se escondido, mas sem sucesso. Gritaram, por muito tempo gritaram, mas o sol não respondeu. Por fim, atiraram flechas contra o sol para se vingarem de sua desfeita, gritando-lhe impropérios e acusando-o de traidor.

Os adoradores da lua se riram quando seus rivais desceram do monte, ridicularizando sua situação. Porém, quando questionados “E onde está sua lua?!”, não tiveram uma boa resposta. Organizaram apenas uma expedição a outro monte, de onde tentaram – primeiro de forma humilde, depois insistente e por fim enfurecida – convencer a lua a reaparecer. Tudo em vão. A lua não lhes respondeu e eles desceram à terra igualmente frustrados, sob a zombaria dos adoradores do sol. Enquanto isso, as fogueiras ardiam sem cessar, cada vez mais, cada dia mais forte.

O sol não mais apareceu. A lua tampouco. Os adoradores do primeiro juraram que ele estava embrenhado em uma luta de morte contra a lua, e que retornaria após vencê-la. Os adoradores da lua retrucavam, dizendo que a lua estava seduzindo o sol para depois lança-lo em uma armadilha. Esperaram pacientemente, e nenhum dos deuses ressurgiu das nuvens espessas. O tempo passou, e a paciência de nossos leais índios também. Não demorou a surgirem acusações de que a lua era a culpada pelas nuvens, e de que ela havia se valido da energia de seus muitos servos para dominar o céu e tornar tudo obscuro. Mas também se acusava o sol de ter se valido dos sacrifícios de seus servos para cegar a todos os nativos, até o ponto em que eles não mais conseguiam ver ninguém, sol ou lua. “É mentira!”, diziam os servos do sol. “É a pura verdade!”, redarguiam os adoradores da lua.

As fogueiras se alastraram: queimaram árvores, plantações, malocas, animais e pessoas. Poucos escaparam do incêndio, e aqueles que o fizeram, fugiram para bem longe dali. Sem ninguém para alimentá-lo, o fogo cessou, as nuvens lentamente se desfizeram e o sol e a lua voltaram: brilhantes como nunca, indiferentes como nunca a tudo o que acontecia lá embaixo.