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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Confissões de Augsburg - os primeiros passos

Terminei meu último relato imaginando o que o fim de semana me reservaria. Pois não foi coisa boa. Apenas um dia depois de comprar o adaptador de tomada e instalar a internet aconteceu algo que invalidou por completo minhas duas aquisições: a energia no meu quarto acabou no sábado por volta das 11 da manhã. A bateria do meu netbook acabou naquele mesmo dia, bem como a bateria do meu celular, a qual eu suspeito fortemente que está viciada. Voltei à estaca zero. Continuei sem saber as horas (já que meu único relógio é meu celular) e acordando sem saber se deveria almoçar ou tomar café (meu celular também é meu único despertador). Liguei para o zelador e ele disse que era pra eu chamar o eletricista. Passei, portanto, o sábado, o domingo e a segunda sem luz.

No sábado mesmo comprei algumas velas e uma espécie de isqueiro para acendê-las (daqueles de acender fogão), na drogaria aqui perto da moradia. Durante a tarde estudei alemão: continuei fazendo os exercícios do Delfin, o livro que eu usava no meu curso lá no Brasil. Foi escurecendo e eu acendi as velas. Mais à noite saí pra comprar algo para comer. Já estava cansado de comida turca, mas foi exatamente o que acabei comendo. Não por vontade própria, mas porque aqui existem mais restaurantes de comida turca do que de comida alemã. Fui até um pequeno restaurante aqui perto que fica de frente para um pub, uma espécie de Bar do Cabral mas mais sofisticado. Dentro do restaurante algumas máquinas caça-níqueis (isso tem em todo lugar aqui) e uma televisão com resultados de todos os eventos esportivos do mundo. Pedi um döner e esperei no balcão. Enquanto isso, a televisão anunciou até os jogos da próxima rodada do Campeonato Brasileiro! Corinthians X Goianienze era um dos jogos.

Comi o döner em casa e não demorei a dormir depois. Naquela noite sonhei que a luz havia voltado. Acordei já na hora do almoço e, mais uma vez, comida turca – acho que dessa vez foi um kebab (não me lembro bem), mas em outro restaurante. Ao longo da tarde estudei mais alemão e depois fui até o quarto da Cristina, pedir a ela um despertador emprestado porque no dia seguinte teria que levantar cedo para fazer matrícula.

A manhã da matrícula estava bem nublada; um dos dias mais chuvosos desde que cheguei. Fui até a universidade e peguei uma fila com gente de vários países. Na minha vez, apresentei meus papéis e quando a secretária me disse “pronto”, estranhei. Não escolhi nenhuma matéria, nenhuma aula, nenhuma disciplina. Apenas me matriculei no curso. E agora? Posso ver a aula que eu quiser? Ainda vou descobrir como isso funciona. Depois de fazer a matrícula assinei meu contrato de aluguel na sala do Studentenwerk e andei pelo campus em busca de um restaurante não-turco; só achei pizzarias e lanchonetes. Sentia falta de um prato de comida de verdade, comer com garfo e faca. Felizmente achei um Mr. Onions (ou algo assim), um pouco afastado. Lá pedi uma vitela à moda de Viena, com batata frita, uma folha de alface roxa e duas rodelas de pepino. Um prato enorme, uma vitela enorme, e a garçonete ainda colocou dois vidros enormes de ketchup e maionese ao lado. A vitela estava muito boa, parecia um frango à milanesa. Só de não ter que comer kebab de novo foi um alívio.

Naquela mesma tarde precisei xerocar alguns documentos que eu usaria para pedir a autorização de residência. Ao entrar na gráfica da faculdade, senti-me um estúpido. Assim como tudo na Alemanha, o xerox daqui é você quem tira – não há ninguém para tirar para você. Você copia e depois paga no caixa. Pensei, então, em como passei esses anos todos de faculdade xerocando textos sem nunca sequer ter encostado numa máquina de xerox. Tive vergonha de pedir ajuda ao funcionário e usei o instinto: coloquei o documento lá dentro, fechei a tampa e apertei o botão verde. Até que funcionou! Xeroquei o resto e fui embora. Precisava ir a uma unidade da universidade na qual eu pediria autorização de residência aqui em Augsburg. Esse escritório, porém, ficava bem longe, na antiga sede da faculdade.

Peguei o bonde e parei alguns pontos mais á frente de onde eu deveria parar. Pedi informações a uma senhora que estava sentada e ela me disse que o lugar que eu queria era mais atrás e então fui caminhando. Demorei um pouco, mas enfim achei o prédio. A fachada dele estava interditada e ao entrar pelos fundos vi que parecia um prédio abandonado. Não se via ninguém. Lá dentro, alguns computadores jogados e um silêncio mortal. Até que achei um funcionário e pedi informações. Ele gentilmente me explicou onde eu deveria ir e então subi um lance de escadas. No caminho, deparei-me com uma série de coisas que me interessavam: os arquivos da universidade, o departamento de História Contemporânea e vários cartazes anunciando palestras sobre diversos temas – reino dos Vândalos, a Síria antiga, entre outros. Cheguei ao local onde deveria fazer o registro, mas já estava fechado. Ficou para outro dia.

Com toda essa correria, acabei não tendo tempo para resolver o problema da energia elétrica no meu quarto. Chamei um eletricista, mas ele só veio na terça de manhã. O problema era mais comigo do que com a energia em si: por algum motivo (acho que por um excesso de aparelhos ligados) uma das chaves do quadro de luz desligou sozinha. Havia mexido na caixinha umas quatro vezes sem sucesso; o eletricista apenas ligou a chave e... Pronto! Mais uma ocasião para me sentir um estúpido. Senti vergonha ao ver aquilo, mas ele não fez muito caso. Agradeci-o e pedi desculpas, e novamente eu tinha energia em casa.

Naquela mesma manhã de terça voltei no departamento da universidade para me registrar. Estava aberto, mas novamente cheguei um pouco tarde e a funcionária pediu que eu e mais algumas alunas italianas que lá estavam voltássemos na quinta. Paciência.

Chegando a hora do almoço na terça eu tentei mais uma vez variar, mas mais uma vez caí na comida turca. Consegui, porém, pelo menos mudar de restaurante. Fui ao Al Bagdady, que fica na mesma rua da moradia. Entrei e vi no cardápio que havia um prato com arroz. Achei que pelo menos eu iria me livrar dos kebabs e döners, mas o dono disse que aquele prato não estava mais disponível. Tive que pedir um döner (ou um kebab, não me lembro). O movimento no restaurante era intenso: vários senhores e jovens jogando baralho e apostando nos caça-níqueis. Lá em cima uma televisão transmitia, por um canal árabe, o jogo Coreia do Sul X Emirados Árabes Unidos, mas ninguém ali se mostrava muito interessado. Após sair de lá, decidi que era hora de dar um basta nesse negócio de comer fora de casa todo o dia. Decidi que iria comprar uma panela e fazer minha própria comida [sic].

E assim foi. Comprei uma panela de alumínio na drogaria aqui perto, bem como garfos e facas. Depois comprei algumas salsichas brancas típicas daqui da Bavária (Weiβwurst) e uma caixa de ovos. À noite comi as salsichas com ovo cozido, até que ficou bom. As salsichas são fáceis de preparar. Contanto que eu não tenha que cozinhar para ninguém além de mim, acho que tenho tudo para ser um cozinheiro regular!

Também na terça saí para poder comprar casacos para o inverno. Encontrei, perto da Königsplatz, uma C&A! Nem sabia que aqui tinha. Após muito olhar e experimentar levei dois casacos pesados que, ainda assim, temo que não vão me proteger do inverno rigoroso que começa no fim de outubro ou início de novembro.

Na noite de terça, enquanto mexia no Facebook, descobri, por meio de um post no grupo daqui da moradia, que a televisão que ficava no 19º andar, em uma área de lazer, tinha acabado de ser roubada. Havia, segundo a menina que postou, muitos cacos de vidro no chão e pelo visto até a polícia foi chamada. Verifiquei minhas portas e minhas janelas: tudo trancado. Hoje conversei com várias pessoas e elas confirmaram o roubo. Fazer o quê? Ladrões existem em todo lugar.

Hoje pela manhã comprei ainda uma frigideira, pois as salsichas ficam melhores se preparadas na frigideira. Comprei também outra comida que não sei bem o que é, mas sei que é feito de ovo. Chama-se Eierspätzle: são umas tirinhas amarelas que vem num pacote de plástico. Novamente comi a salsicha com o ovo cozido, mais as tirinhas amarelas, enquanto assistia a um episódio do Chaves na internet. À tarde fiquei só na internet, lendo e-mails e conversando. Depois comecei a redigir esse texto e, de repente, quando vi o relógio, o susto: cinco da tarde! Às seis tinha um compromisso na universidade, uma pequena festa de boas-vindas aos estudantes estrangeiros. Relutei até o fim em ir nesse evento, avesso a festas como sou, mas por fim eu fui.

Chegando lá tive medo: um monte de gente que eu não conhecia conversando, comendo e bebendo, e algumas mesinhas com comida. Horror. Minha veia antissocial quase estourou. Na realidade nunca me considerei de fato antissocial, apenas sou contra socialização forçada. Ir a lugares com o único intuito de se fazer amigos é a experiência mais humilhante a que um ser humano pode se submeter. Talvez isso fizesse sentido quando eu era um menino de sete ou oito anos, mas não agora. Acho que a amizade nunca deve ser o principal alvo de uma ação; as boas amizades nascem sempre como efeitos colaterais de um objetivo ainda maior: um grupo que faz trabalho de faculdade, algumas pessoas que se reúnem para consertar um vazamento ou protestar contra uma barragem, alguns colegas que se organizam para montar um time de futebol. Eu particularmente não odeio as pessoas, nem tenho nada contra conversar com gente nova. O problema é que nunca sei o que dizer, o que falar, sobre o que conversar. Por isso prefiro poupar os outros da minha melancolia. Sou, quando muito, um antissocial altruísta, que evita socializar pelo bem dos outros, não de mim mesmo.

De qualquer forma, não me arrependi de ter ido. Em menos de 5 minutos encontrei com o David, estudante de Inglês e História, que será meu tutor na faculdade e com quem já havia trocado vários e-mails. Conversamos por um longo tempo sobre futebol, sobre o curso de História, os professores e traçamos algumas comparações pertinentes entre Maradona, Pelé e Beckenbauer. Mas, mais importante que tudo isso, ele me advertiu que eu devia tirar a pele das salsichas antes de comê-las. Juro que não sabia disso. Enquanto isso o salão foi enchendo, e finalmente o evento começou.

Uma rápida apresentação sobre o departamento de estrangeiros da universidade foi exibida num Power Point. Depois, uma dinâmica de grupo: cada um pegava uma folha de papel, escrevia uma mensagem, fazia um aviãozinho e jogava ao ar; cada um também pegava o avião que achasse no chão. Depois cada um tinha que achar a folha na qual tinha escrito. Mais uma vez, horror. Se a socialização forçada é algo degradante, a socialização via brincadeiras chega a ser uma tortura. Mas devemos todos dançar conforme a música então fui em frente. Escrevi meu nome e meu país na minha folha e joguei-a. Fui encontra-la bem depois nas mãos de uma menina que me disse que havia outro brasileiro ali na festa. Não demorei a acha-lo. Pasmem: ele morava não só na mesma moradia e no mesmo andar que eu, mas também no quarto ao lado! Passei uma semana em Augsburg morando ao lado de um brasileiro sem sequer ter ideia disso. Conversei com gente de todo lugar: Espanha, Ucrânia, Turquia, Alemanha e principalmente Itália. Nessas idas e vindas encontrei ainda uma outra brasileira.

Voltei para a casa com um grupo de italianos e italianas, mais a brasileira. Quase exorcizei as italianas quando me convidaram para ir a uma boate no centro da cidade. Achei muita socialização para um dia só. Agradeci, porém, o convite. Quem sabe outro dia? Ou não. Preferi voltar para casa e acabar de escrever esse texto. Amanhã (quinta) pela manhã terei o Einführungstag, uma apresentação da faculdade aos estudantes estrangeiros, e mais à tarde uma apresentação da Faculdade de Filologia e História (acredito também que só para os estrangeiros).

E assim se passaram meus últimos cinco dias.

2 comentários:

maria neusa guadalupe disse...

Allievo: que maravilha poder acompanhar vc por tantos lugares e tantas aventuras...Dou graças a internet nesses momentos..rs...Pra um anti-social de carteirinha, vc se deu bem demais..rs...não nos deixe muito tempo sem notícias...beijos leitores vorazes.

Ro disse...

Marcelo!
Nao sabia que voce estava por ai!!! Adoro ler seus textos! Coloque noticias sempre e conte tudo!
Bjs carinhosos,
Ro