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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Confissões de Augsburg - evoluindo

E eis que na última quinta (13 de outubro) pela manhã tivemos o Einführungstag: uma palestra direcionada a estudantes estrangeiros apresentando a universidade, suas características e seu funcionamento. Lá pude perceber quão variada é a origem dos alunos da UNI-Augsburg. Quem vem para a Alemanha esperando encontrar um monte de gente loira de pele clara e olho azul se surpreenderá. Vários desses estrangeiros vêm para se formar aqui, outros tantos apenas para intercâmbio: China, Japão, Vietnã, Turquia, Argélia, Ucrânia, Peru, País de Gales, França, Itália são apenas alguns dos países que estavam lá representados. Naquela mesma quinta, de tarde, comi pela primeira vez no bandejão daqui. Eles chamam de “Mensa”. É uma grande instalação de muros e teto brancos, mantida pelo Studentenwerk Augsburg (algo como se fosse a FUMP lá da UFMG) e com um sistema supermoderno. Você paga cinco euros pelo cartão magnético e carrega-o em uma máquina que tem lá dentro. Na hora de pagar você mostra sua refeição para a moça do caixa, ela digita o valor no computador, você passa o cartão no leitor e então o valor é descontado. Nada de filas imensas, catracas, pessoas procurando desesperadamente o dinheiro para pagar o caixa ou inconvenientes batendo papo com os funcionários na hora de servirem-se. Nunca odiei o bandejão da UFMG – comia lá sempre que possível e até gostava – mas sempre achei as filas quilométricas ao meio-dia um suplício.

No Mensa há mais opções e, como o preço não é fixo, não há limite de refeição: você pega tudo o que quiser e tem também várias opções de bebidas (como num restaurante normal mesmo). Comi dois knödels (um bolinho feito de farinha de trigo, como uma almôndega) mergulhados em sopa de cogumelo, batata frita e tomate com pepino. Junto com a Coca Cola de 500 ml ficou tudo em 4 euros. Quem teve o prazer de me apresentar o Mensa foi o David, meu tutor aqui em Augsburg. Até hoje não descobri para que servem os tutores oficialmente, mas o David tem sido um grande amigo. Ele também estuda História e me disse que seu avô lutou na Rússia pela Wehrmacht durante a Segunda Guerra Mundial, mesmo não sendo nazista (foi forçado). Também me disse que apenas as pessoas mais velhas na Alemanha têm mais reservas na hora de falar sobre a Segunda Guerra, sendo que os mais jovens não se importam muito com isso.
Saí do Mensa farto. Aquelas almôndegas te enchem de uma tal maneira que você se sente como se tivesse comido o dobro. Despedi-me do David e fui para a Orientierungsphase da Philologisch-Historische Fakultät (a faculdade de História e Letras daqui; curiosamente, os cursos de Filosofia e Ciências Sociais são em outra faculdade). A Orientierungsphase é uma espécie de introdução da faculdade aos calouros. Pensei que eles fossem dar informações relevantes sobre as disciplinas, professores, funcionamento da faculdade e coisas do tipo. Nada disso aconteceu: tudo não passou de uma espécie de “calourada educativa” com provas e gincanas – a tarde inteira. Como diria o Chaves: “TERIA SIDO MELHOR IR VER O FILME DO PELÉ”.

Não me lembro de ter feito nada relevante na sexta-feira, além de ter dado uma volta pela cidade a fim de conhecer alguns pontos turísticos. Tirei fotos da prefeitura, um prédio imenso e muito bonito que fica de frente para uma grande praça onde muitos costumam se sentar no chão para conversar e comer – especialmente de tarde, para aproveitar um pouco do sol. Queria muito tirar fotos de uma grande fonte (se não me engano do século XVII) que tem ali em frente à prefeitura, com estátuas de imperadores romanos. O problema é que antes do inverno eles cobrem as estátuas com algumas estruturas de madeira ou metal para impedir que a neve as estrague, e só voltam a tirá-las na primavera – quando já não estarei mais aqui. Pena. Quando cheguei elas ainda estavam descobertas! Depois de passar pela prefeitura fui até um conjunto habitacional chamado Fuggerei. Ele foi fundado na primeira metade do século XVI pelo banqueiro Hans Jakob Fugger, uma das figuras mais ilustres de Augsburg. Ele construiu Fuggerei para abrigar famílias pobres de Augsburg e até hoje o conjunto tem essa função, figurando como a moradia mais antiga do mundo para pessoas de baixa renda.

No sábado de manhã, em uma visita guiada pela cidade, tive a oportunidade de entrar na prefeitura e fotografar o salão interior, todo ornamentado com pinturas de imperadores romanos e estátuas de ouro. A guia nos disse que quase 80% dos prédios de Augsburg foram destruídos em bombardeios aliados em fevereiro de 1944, sendo reconstruídos após a guerra com base em seus desenhos originais. A prefeitura foi um deles. Por pouco eu não pude fotografar os salões do interior da prefeitura: na hora de tirar a primeira foto minhas pilhas acabaram. Algo que me acontecia com uma frequência impressionante na Malásia. No dia anterior eu tentei gastar a máquina o máximo possível, a fim de usar as pilhas até o fim e poder recarrega-las à noite. No entanto, as pilhas não acabavam, por mais que eu usasse a máquina. Esperaram para acabar exatamente quando eu estava lá dentro. Felizmente o Maurício, cuja câmera já estava cheia, me emprestou suas pilhas e eu me safei.

Sábado à noite saí com o David e alguns de seus amigos. Em uma de muitas conversas ele me disse que os descendentes de Hitler mudaram de sobrenome e que esse nome já não existe mais. Da mesma forma, é praticamente impossível encontrar pessoas na Alemanha com o nome de Adolf (apenas aqueles que nasceram antes da guerra). Ele me perguntou de que cidade eu vinha no Brasil e respondi que vinha de Belo Horizonte (não vejo muito sentido em dizer, na Alemanha, que eu vim de Lavras). Ele então comentou – e seus amigos concordaram – que “Belo Horizonte” tem uma sonoridade muito interessante e parece nome de boate de strip-tease. Segundo ele, aqui na Alemanha essas boates costumam ter nomes exóticos, de preferência de origem latina. Achei que fazia sentido, mas não soube o que pensar daquilo.

Procurei voltar para casa antes da meia-noite, quando ainda havia bondes passando (depois da meia-noite, só ônibus especiais). Aqui em Augsburg os estudantes pagam 90 euros no começo do semestre para andar o semestre inteiro em qualquer transporte público dentro da cidade: ônibus ou bondes (com exceção desse transporte depois da meia-noite, que é pago). Se o fiscal aparecer (até hoje isso já aconteceu duas vezes) é só mostrar seu comprovante de matrícula.

No domingo acordei na hora do almoço e passei toda a tarde estudando para a prova de nivelamento de alemão que eu teria na segunda de manhã. De acordo com meu desempenho nessa prova eu iria entrar num determinado nível do curso de alemão para estrangeiros que a universidade oferece. Segunda de manhã fiz a prova de nivelamento em um grande auditório quase lotado. Mais da metade do tempo da prova foi o professor explicando como funcionam os cursos, o conteúdo de cada um deles e como seríamos avaliados. Entendi razoavelmente bem o conteúdo do discurso dele; mais importante de tudo, entendi as piadas que ele fez. Ele disse, em alemão, que todos os alunos que não estivessem entendo o que ele dizia não precisavam fazer a prova e podiam ir direto para o nível A1 (básico). Quem entendeu riu, e ele disse que aqueles que riram podiam permanecer e os que não riram podiam sair. Como os que não riam não entendiam, eles permaneceram. De fato, quando a prova começou, muita gente levantou e entregou-a em branco. A prova consistia num pequeno ditado que esse mesmo professor leu. Ele leu um pouco rápido e por isso tive dificuldades. Depois havia uns 4 textos sobre a Alemanha e sobre como estudar alemão. Várias palavras, porém, estavam incompletas e então tínhamos que completa-las corretamente. Acho que me saí melhor nesse, embora eu tenha inventado algumas palavras onde eu não sabia. O problema foi só o tempo: acho que uns 20 minutos apenas... Tive que fazer na correria.

Segunda à tarde comprei um celular em uma loja da O2, uma das operadoras daqui. Nada de i-Phone, Smart Phone ou coisas do tipo. Fiz questão de levar o mais barato e básico de todos: Nokia C1-01, 49 euros, tem tudo aquilo que preciso num celular: fazer e receber chamadas, mandar e receber mensagens, MP3 e rádio. Meu Motorola já estava com alguns botões soltando e a bateria viciada, mas foi um bom companheiro ao longo desses dois anos e meio.

Na terça de manhã fui, pela terceira vez, ao departamento de estrangeiros regularizar minha situação aqui na Alemanha (nas outras duas vezes tinha chegado atrasado). Dessa vez cheguei a tempo. Em um prazo de seis a oito semanas estarei recebendo uma carta com algumas coisas (não lembro bem o que) e então mais uma vez deverei voltar lá para pegar uma espécie de identidade comprovando que sou estrangeiro regularmente residente na Alemanha. Na terça à noite me chamaram para uma “Stammtisch” (não sei como traduzir isso em português: é como se fosse aquela mesa do bar onde sempre se sentam os mesmos fregueses todos os dias). O evento era direcionado aos estudantes estrangeiros e consistia em uma série de brincadeiras, entre as quais um certo “speed-dating” (não perguntei o que era isso pois tive medo da resposta). Baseado na Orientierungsphase da faculdade de ciências humanas, preferi recusar. Ao invés de ir e terminar a noite parafraseando Chaves (“seria melhor ter ido ver o filme do Pelé”) preferi ficar em casa assistindo Chaves pelo YouTube. Ganhei muito mais com isso!

Por aqui muitos dizem que sou muito quieto, que não saio, que sou desanimado, que sou tímido. Pois eu creio que não há nada mais escabroso que um antissocial tentando se passar por extrovertido. Um homem fingindo ser mulher, uma criança se passando por adulto, um burro se passando por inteligente, um perna-de-pau pagando de artilheiro: tudo isso eu posso aceitar, menos um antissocial se passando por extrovertido.

Apesar disso, naquela terça não fiquei em casa. Resolvi visitar o Maximilianmuseum, um museu que tem próximo à prefeitura. Aproveitei que ele ficava aberto até às oito da noite e fui. Augsburg é a terceira cidade mais antiga da Alemanha, tendo sido fundada pelos romanos em 15 a. C.. Perde apenas para Trier (cidade natal de Karl Marx) e outra que não me lembro qual era. Assim, o acervo do museu é riquíssimo, com obras desde a Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média, Renascimento (período culturalmente mais rico de Augsburg) e século XIX. Várias pinturas, esculturas barrocas (algumas das quais me lembravam um pouco aquelas de Minas Gerais), estátuas de imperadores e deuses romanos, imagens de santos... Não dá pra contar tudo que vi! Até porque cheguei um pouco tarde: o museu iria fechar em uma hora e precisei ver tudo correndo. Além disso, a maldição da câmera fotográfica mais uma vez me atacou: levei a câmera, mas larguei as pilhas em casa, no carregador. Pois é. Outro dia volto lá com mais tempo e com pilhas (isso se eu não esquecer a câmera em casa).

Na quarta fui ver o resultado de meu exame de alemão: fiquei no nível B2, em uma escala crescente que vai de A1 (mais básico) até C2 (mais avançado) – A1, A2, B1, B2, C1, C2. Mais tarde dei uma andada pela faculdade de ciências humanas para aprender onde ficam minhas salas de aula. Dei voltas e mais voltas no prédio inteiro (pelo menos no primeiro e segundo andar) e consegui achar todas elas. A faculdade está passando por reformas por isso pra todo lado existem obras, escadas, furadeiras e poeira. Minha primeira aula é no sábado de manhã. Peguei, ao todo, quatro matérias: três Übungen (exercícios) e um Proseminar (seminário), além da aula de alemão para estrangeiros. Os exercícios são mais práticos e buscam colocar o aluno mais próximo das fontes e dos arquivos, além de terem um número reduzido de alunos. Peguei um sobre imperialismo e colonialismo da Alemanha Guilhermina, outro sobre textos-chave para se entender o período 1830-1930 e outro de leituras sobre o período nazista. Na disciplina de seminário peguei um sobre a Primeira Guerra Mundial, mas como não tinha lugar estou na lista de espera.

Acho que não faz muito sentido pegar matérias demais. O idioma ainda é uma barreira para mim, por isso precisarei de mais tempo para me dedicar a cada uma dessas matérias. Já vim pra cá com um objetivo em mente: estudar como a imprensa alemã noticiou a visita do Kaiser Guilherme II ao Marrocos, em março de 1905 (um dos elementos constituintes da Primeira Crise do Marrocos e que conduziu à Primeira Guerra Mundial). Sendo assim, creio que as matérias que peguei são mais do que suficientes para me orientarem nessa pesquisa. Aliás, ando procurando por uma charge que vi num livro didático sobre o assunto: uma águia alemã protegendo alguns marroquinos diante de um galo francês. Essa charge é de 1906, de algum jornal alemão, e é extremamente emblemática do que pretendo analisar. Se alguém descobrir o nome do jornal, por favor me diga!

Na quinta, mais uma vez acordei tarde demais. Comi no Mensa e à tarde fui, junto com o Maurício e uma amiga peruana, até a IKEA, aquela loja de departamentos sueca. A loja fica nos arredores de Augsburg e é um monstro! Tem de tudo para a casa. Passamos a tarde toda andando pela loja. Comprei um lençol (até hoje estive dormindo sem!) mas não achei um desentupidor de pia, algo que preciso com certa urgência. Já faz alguns dias que a pia do banheiro entupiu. No começo a água ainda descia, mas demorava muito; agora ela parou de vez. Na verdade, nem ao menos sei como se diz “desentupidor” em alemão. Queria falar com o zelador da moradia, mas ele parece o 5102 que vai para a UFMG: aparece de mil em mil anos e só quando você não está por perto. Queria também pedir ao zelador uma cadeira (recentemente descobri que todos os outros quartos têm cadeira, menos o meu) pois minhas costas estão doendo de ficar sentado na cama.

E assim segue minha vida aqui no velho mundo. Não deixo de acompanhar o que acontece no Brasil: as notícias, o Pan de Guadalajara, o drama do Cruzeiro e a luta contra as aulas geminadas (recentemente respondi o questionário enviado por e-mail). Assim que puder mando mais notícias, mas prometo ser mais enxuto da próxima vez, com menos detalhes e mais reflexões. Auf wiedersehen!

2 comentários:

Tat disse...

Caramba! só percebi que o texto foi escrito hoje quando eu acabei de ler! Li todos os três agora e fico feliz em saber como estão as coisas por ai. Fico imaginando exatamente as suas caras e reações em todos esses momentos!!! Adorei as suas matérias e parabéns por ter ficado num nível bom em alemão! Acredito não ser nada fácil e pelo tempo q vc estuda, isso é muito bom!
Vc n é antisocial
só n gosta de algumas besteiras e certos tipos de convivios. Mas acredito que na faculdade vc fez bons amigos, né??? (querendo me afirmar! hahauhau)

por favor, continue sendo detalhista
é bem mais legal assim!

bjus e boas aulas!

maria neusa guadalupe disse...

Marcelo: que tal mais detalhes e mais reflexões???? Está num ritmo excelente pra mim..rsrs..estou conhecendo a Alemanha através de seus olhos...de graça..rs...beijos admiradores e incentivadores.