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sábado, 26 de novembro de 2011

Confissões de Augsburg - o retorno I

Sempre fico impressionado com a capacidade que tenho de tornar minha vida uma rotina. Sou cristão, nunca escondi isso. Mas, como todo cristão em pleno século XXI, tenho uma série de dúvidas frente a algumas coisas em que acredito. Não consigo imaginar como seria viver em lugar por toda a eternidade achando tudo lindo sempre. Dada minha experiência de vida até aqui, creio que se eu fosse para o céu iria passar um mês impressionado, e depois desses trinta dias iria perguntar a Deus: "onde fica o restaurante e a biblioteca?".

Augsburg é uma cidade fantástica: aqui foram lidas em público pela primeira vez as ideias que Lutero tinha para reformar a igreja; aqui foi firmada a paz de 1555 que acabou com as guerras religiosas na Europa e definiu que cada súdito deveria ter a fé de seu rei; aqui nasceram o pai de Mozart e o filósofo Bertolt Brecht. E ainda assim, o que eu mais tenho visto nessas últimas semanas em que não escrevo é o bonde e suas estações (já estou decorando os nomes de todas entre minha casa e a universidade), a bandeja branca do restaurante universitário, meu netbook e minha cama.

Claro que eu não vim aqui a turismo: tenho responsabilidades. Mas sempre acho que eu poderia estar aproveitando mais do que estou. Não é uma reclamação, apenas uma auto-crítica. Acho muito melhor fazer as coisas quando se tem um objetivo. Eu não vou a boates, bares e festas não porque não goste das pessoas de lá, mas apenas porque lá eu não tenho objetivos (não danço, não bebo, não estou procurando uma parceira nem novas amizades). Ficar 3, 4 ou 5 horas em um lugar sem ter metas, sem ter ambições, sabendo que esse tempo poderia estar sendo gasto de forma mais produtiva é quase uma tortura pra mim. Sendo assim, fico feliz de ter vindo para a Alemanha com um objetivo, e de poder ocupar meu tempo com ele. Meu intercâmbio na Malásia não foi assim. Lá foram 12 meses pairando, sem saber se eu estava regredindo, progredindo ou parado. Só depois que voltei ao Brasil fui perceber que ele foi uma regressão extrema, total, mas não permanente: como uma mola que se comprime até a sua base pra depois dar um salto maior que seu tamanho natural, na Malásia regredi o máximo que eu poderia regredir, até o alerta vermelho se acencer, eu me tocar e então progredir nos anos seguintes (o que eu quero dizer com "progredir" já é uma outra história completamente diferente e longa demais para contar aqui). E tudo isso por um simples motivo: fui para a Malásia sem objetivos.

Mas não, minha vida não tem sido um marasmo. Como disse em meu último post, planejei ir para o campo de concentração de Dachau na terça e, de fato, eu fui. De última hora fiquei sabendo que outros estudantes estrangeiros também iriam e pedi a uma amiga minha que era amiga deles avisarem que eu também iria. Conhecia-os assim só de vista e foi fácil achá-los na estação. Dachau fica bem perto de Augsburg, mas a viagem de trem é mais demorada pois passamos primeiro pela estação central de Munique.

O campo de concentração é um lugar de outro mundo: tirando um grupo de turistas jovens que não paravam de se atazanar, é um lugar bem tranquilo e melancólico. Quando fui o tempo estava um pouco nublado e só contribuiu para reforçar essa sensação. Lá vi as câmaras de gás, os fornos onde os corpos eram cremados, as camas dos prisioneiros e os monumentos em homenagem a todos que ali padeceram. Tem também um museu cheio de fotos, vídeos, documentos e recursos interativos sobre a história do campo. Meu único problema com museus aqui na Alemanha se deve aos textos que li na disciplina de Arquivos e Museus semestre passado. Por mais que a proposta da matéria seja válida, achei aqueles textos um verdadeiro porre e depois de lê-los minhas visitas a museus ficaram completamente modificadas - para pior. Resumidamente, poderia dizer que aprendi três coisas com esses textos: 1. Todos os museus do mundo estão errados. 2. A partir do momento em que você entra em um museu, tudo aquilo que você fizer ou deixar de fazer está errado. 3. Não há nada que você possa fazer para mudar essa realidade.

Cada peça ou recurso que vejo em um museu me remete a um parágrafo daqueles textos malditos. A cada passo que dou sinto que um dos autores daqueles textos está me vigiando para saber se estou vivenciando a exposição de forma correta. Segundo aqueles autores, tudo está errado, tudo é ruim e nenhuma exposição no mundo consegue cumprir o papel que um museu deveria cumprir. Que não me levem a mal os leitores que gostaram dessa matéria, mas em se tratando de museus, a única opinião que consigo ter é a de que "cada um monta como acha melhor e cada um vivencia como acha mais conveniente". Confesso que sou ignorante demais para teorizar e entender quem teoriza sobre isso.

Mas no mais, Dachau foi uma experiência e tanto. Duas coisas que me chamaram a atenção foram os monumentos religiosos - existe um para homenagear os judeus, um para os católicos e um para os protestantes que morreram lá - e a livraria que fica na entrada do campo. Logo na entrada da livraria fiquei transtornado: nunca vi uma quantidade tão grande de livros, revistas e DVDs sobre nazismo em um só lugar. Tem livro sobre tudo relacionado ao tema: a política externa nazista, biografias de figuras importantes do Terceiro Reich, a burocracia nazista, as origens do nazismo, os campos de concentração, a história dos alemães que lutaram contra o nazismo (algo do que os alemães de hoje se orgulham muito), entre outros. Mas, mais no fundo da livraria, há uma outra seção: a seção de objetos judaicos! Lá têm livros sobre história do judaísmo, livros sobre as tradições judaicas, menorás (castiçais de sete braços com a estrela de Davi), livros infantis que ensinam a rezar em hebraico... Enfim, tudo que você imaginar sobre o tema "judaísmo". Achei bem interessante essa divisão e, incrivelmente, consegui me conter a ponto de não levar nenhum livro ou DVD!

Nos dias que se seguiram continuei dando prosseguimento à minha pesquisa. Mandei um e-mail ao meu professor da matéria de "Imperialismo e colonialismo na Alemanha Imperial" pedindo sugestões sobre em quais jornais da época eu poderia pesquisar sobre a visita do Kaiser Guilherme II a Tangier (disse a ele que queria um jornal alinhado com o Kaiser). Ele não só me passou os nomes dos principais jornais da época e a posição política de cada um deles, como também me deu a ótima notícia de que os documentos da política externa alemã do período 1871-1914 foram publicados em livros e estavam disponíveis na biblioteca da universidade. Achei-os com facilidade e atualmente estou em uma dúvida cruel sobre se tiro uma cópia do período que me interessa, se escaneio ou se procuro os volumes pra comprar. Preciso achar um jeito de levá-los comigo para o Brasil! E junto com esses volumes encontrei vários outros volumes de documentos da política externa do Império Austro-Húngaro, da França e da Inglaterra publicados.

A neve pela qual tanto espero não caiu até hoje. Acho que só em dezembro. Todos os dias de manhã acordo na esperança de vê-la na janela do meu quarto mas ela nunca está lá. Mas as temperaturas de madrugada recentemente têm caído para -3 e -4. E por falar em janela, há algumas semanas descobri que tem um ninho de joaninhas no meu quarto: elas ficam todas amontoadas no canto direito da janela, ao que parece se protegendo do frio. Na cortina também tem um monte e sempre que estou estudando na mesa aparece uma em cima do caderno, mas elas nunca me incomodaram. Achei até simpático; bem melhor do que aquelas muriçocas que tiram o sono da gente.

No sábado dia 12 aproveitei que não tive aula e fui, junto com alguns outros estudantes estrangeiros, para Salzburg, na Áustria. Aqui eles costumam postar no grupo do Facebook uma mensagem falando "estou indo para tal lugar tal dia, quem quer vir?", porque quanto mais pessoas mais fácil é de viajar. Com um Bayern-Ticket você viaja para qualquer lugar da Bavária no período de um dia. Cada bilhete pode servir para até cinco pessoas e então fica mais fácil dividir os custos. E foi numa dessas que acabei indo para Salzburg que, por mais que não seja oficialmente na Bavária, fica bem próximo à fronteira e por isso o ticket vale para lá também.

Augsburg é a terra natal do pai de Mozart e Salzburg é a terra natal do próprio Mozart! Logo, tudo lá gira em torno dele: souvenirs, cartões postais, chaveiros, chocolates... Tudo que você compra vem o Mozart junto! Isso sem falar nas milhares de camisas, adesivos e canecas escritos "No cangoroos in Austria!", destinados a todos aqueles que confundem o país europeu com a ilha da Oceania. Ficamos por lá apenas um dia e já à noite voltamos para Augsburg.

Um comentário:

maria neusa guadalupe disse...

Me vi dentro do museu ,querendo comprar tudo..aiaiai...seu texto me rendeu uma reflexão sobre judeus,nazismo e sobre vc,allievo querido.Beijos consumistas.