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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Do consenso ao crepúsculo: meus 26 anos - parte 1

Certa vez li, em algum lugar, que precisamos pensar se a criança que nós fomos um dia teria orgulho de nós se nos visse hoje. No meu caso creio que essa resposta seria negativa. Se eu, aos 9 ou 10 anos de idade, soubesse que no futuro eu viraria um professor de história, acho que cairia duro no chão, tamanha a amargura da qual seria tomado. Mas isso não importa. Até porque também não tenho lá muito orgulho da criança que eu fui. Creio que nossas expectativas e nossos conhecimentos vão mudando ao longo dos anos, de modo que aquilo que para nós era uma prioridade passa a ser superficial e vice-versa.

Nasci em um dia 29 de janeiro do ano de 1988. Sou daquela feliz geração que não temeu o holocausto nuclear da Guerra Fria nem viveu a inflação. A União Soviética sempre foi tão distante de minha realidade quanto a Alemanha nazista, e a Ditadura Militar tão distante quanto o Estado Novo. Parece que nasci em um mundo e em um país já prontos, aconchegantes, com tudo arrumadinho para que eu já fosse chegando e me acomodando. Vivi meus primeiros anos em um país democrático, com eleições regulares; era novo demais para entender a inflação e os escândalos do governo Collor. Quando comecei a me entender por gente, essas pendências já haviam sido resolvidas.

Ruim de matemática que sempre fui, fiquei aliviado quando, aos seis anos de idade, me deparei com uma nova moeda, com menos zeros, menos números e, consequentemente, mais fácil de calcular (fiquei tão desacostumado com vários zeros nas notas que, há uns anos atrás, ao visitar a Hungria, enfrentei sérios problemas ao lidar com o dinheiro de lá). Creio que a única lembrança que tenho da inflação foi passear com minha avó pelo supermercado lá pelos idos de 1992 ou 1993 e ver os funcionários remarcando preços compulsivamente. Minha avó reclamava: “olha aí, todo dia os preços aumentam!”.

Vivi em um mundo sem o Muro de Berlim, sem Brejnevs e Gorbachevs; nasci sob a égide do consenso de Washington, que nos assegurava que dali pra frente tudo ia ser diferente. Com tanta placidez e tranquilidade, nem parecia que somente alguns anos me separavam da era dos extremos, com suas bombas, ditaduras, guerras e revoluções.

Graças a tudo isso, estudar história sempre me pareceu um exercício de penosa imaginação. Era difícil entender que aquele mundo tranquilo e pacífico no qual eu vivia já havia sido, há poucos anos atrás, tomado por tanto ódio e sangue quanto os livros e documentários insistiam em dizer. Não poucas vezes me peguei pensando, ao longo dos 1990, por que eu não via tanques de guerra nas ruas, por que eu não via bombas caindo na minha cidade, por que todo mundo podia falar o que quisesse sem ser preso, por que os políticos de então eram tão diferentes daqueles carrancudos de farda que haviam dominado grande parte da cena política do século XX.

Uma das lembranças mais remotas que tenho da minha infância é a de assistir ao noticiário do Jornal Nacional sobre a Guerra do Golfo, em janeiro de 1991. É claro que não entendia nada daquilo tudo, mas me lembro que o nome “Saddam Hussein” ficou marcado na minha cabeça, embora eu só soubesse pronunciar “Sadão Mussein”. Como não sabia direito o que aquela expressão significava, dei o nome de “Sadão Mussein” a todos os soldadinhos de plástico que eu tinha. Também me recordo vagamente do noticiário do Jornal Nacional de 1992 acompanhando a crise no governo Collor. Tanto é que por muitos e muitos anos, até minha adolescência, sempre que se falava em “Fernando Collor” a primeira imagem que me vinha à cabeça era a do William Bonner. Demorou um pouco até que meu inconsciente pudesse separar as duas pessoas – ainda que a imagem da Rede Globo e de Fernando Collor sejam eternamente inseparáveis.

Lembro-me da primeira nota de real que ganhei. Era aquela de um real, que hoje nem existe mais. Foi dada pelo meu avô no dia do jogo Brasil X EUA na Copa de 1994. Aliás, acho que minhas primeiras lembranças mais marcantes datam de exatos 20 anos atrás, quando da realização da Copa do Mundo nos Estados Unidos. Essa foi a primeira Copa à qual assisti, ainda que com meus seis anos de idade eu não pudesse entender muito bem o funcionamento do torneio. De alguns jogos eu me lembro bem (Brasil X Camarões, Brasil X Suécia, Brasil X EUA, Brasil X Holanda, Brasil X Itália e até Alemanha X Coreia do Sul!). No entanto, sempre achei jogos de futebol (assim como filmes) muito longos e cansativos, de maneira que em muitos desses jogos eu preferi me ausentar da sala de televisão na maior parte do tempo para ir fazer outras coisas.

E por falar em copa, nas três primeiras copas que acompanhei, vi o Brasil chegar a três finais seguidas e vencer duas delas. Sempre achei que as partidas de futebol fossem como os filmes, nos quais o bem sempre vence no final – sendo que no futebol o “bem” seria a seleção brasileira. Coincidência ou não, o Brasil venceu em 1994, e eu sinceramente não saberia calcular o tamanho do trauma que eu teria se o Brasil tivesse perdido. Acho que ver o Brasil perdendo um jogo equivaleria a ver um super-herói morrendo e o filme terminando com a vitória do vilão. É o tipo de coisa que eu acho que jamais conseguiria processar direito. Mas, felizmente, eram os anos 1990: tudo ia bem, tudo dava certo. Na minha cabeça de menino, tudo só podia dar certo, não havia outra alternativa. E da mesma forma que eu demorei a entender que o Brasil havia vivido a maior parte de sua história sob regimes repressores, também demorei a entender que o Brasil havia perdido todas as copas nos últimos 24 anos. Não conseguia compreender como meus pais, tios e avós assistiam a uma Copa do Mundo sem o Brasil ser campeão ou finalista.

Aos oito anos de idade, assistindo a um programa na TV, fiquei conhecendo uma das figuras mais aterrorizantes de minha infância. Seu nome era Nostradamus: um francês que fazia previsões sobre o fim do mundo. Estávamos no ano de 1996, e à medida que o ano de 2000 se aproximava, os ânimos se agitavam em várias partes do globo, anunciando o fim do mundo, catástrofes naturais e todo tipo de tragédias. Por alguns momentos eu tive uma pequena amostra do que meus antepassados deveriam ter vivido nos tempos do holocausto nuclear. Conversando sobre isso com minha avó um dia, ela me disse que eu não precisava me preocupar, pois esses assuntos eram coisa de gente grande. Obviamente não fiquei convencido por essa resposta, afinal de contas, eu sabia que se o mundo fosse acabar iria acabar pra todos: adultos e crianças.

Aos nove anos, comecei a me interessar por religiões. Por algum motivo, o cristianismo não me atraía, principalmente o catolicismo. Achava o ambiente da igreja católica extremamente pesado. Morria de medo de imagens de santos e a figura do Cristo crucificado e ensanguentado me causava mal-estar. Foi então que comecei com meus planos de me tornar um monge budista. Não me lembro bem o que me levou a interessar-me pelo budismo. Parecia que a tranquilidade dos ensinamentos budistas contrastava com as inúmeras pragas, guerras e castigos que pululavam nas páginas da Bíblia. A placidez dos monges e dos mosteiros figurava para mim como um refúgio diante da dureza das palavras do pastor (cheias de reprovação e pessimismo), e também diante dos cultos da igreja, marcados por uma cantoria insuportável.

Vindo de uma família protestante por parte de pai, é claro que minha nova ambição não teve uma recepção nada amigável. Entre meus amigos também a recepção não foi das melhores: muitos deles diziam que eu não iria chegar a lugar nenhum com isso. Um colega meu de judô à época me ironizou, dizendo que ele iria ser médico e ganhar muito dinheiro, e iria comprar uma moto Suzuki, sendo que eu não iria ter dinheiro algum, pois ia ser monge, e monges vivem de esmola. Outros tantos apenas se limitavam a dizer que monges não podiam namorar, e que por isso eu ia passar a vida toda sozinho. Desnecessário dizer que essas pataquadas nunca abalaram minha confiança, afinal de contas, casar-me e ter carros importados nunca foram prioridades para mim durante minha infância. Do outro lado da família, meus planos foram recebidos com um pouco mais de entusiasmo, especialmente pelo meu tio-avô, o escritor – e ex-pastor – Rubem Alves que, inclusive, até me presenteou com algumas fotos e reportagens sobre Sidarta Gautama.

Aos dez anos vi minha segunda Copa do Mundo. Foi nessa Copa que aprendi que as partidas de futebol não são como os filmes de ação, mas sim como a vida: às vezes o vilão vence no final. E, enquanto eu via as imagens da multidão em polvorosa no Stade de France após o jogo da final, aprendi que não existem vilões no mundo, apenas heróis. O problema é que quase todos os heróis estão ocupados demais tentando acusar uns aos outros de vilões, de modo que não lhes resta tempo para salvar o mundo.

Não sei ao certo se foi antes, depois ou mais ou menos simultaneamente aos tristes eventos de julho de 1998 que eu comecei a ensaiar um arremedo de insurreição contra aquele mundo arrumadinho e aconchegante do pós-89 no qual eu havia crescido. Sob o influxo das imagens da final da Copa do Mundo, comecei a enxergar com outros olhos os heróis e os vilões da minha infância. Crescendo sob a sombra do consenso de Washington, havia aprendido que os americanos e europeus eram os bons, e que o resto do mundo estava dividido entre aqueles que eram inimigos dos europeus e americanos, e aqueles que deveriam ser gratos aos europeus e americanos por tê-los livrado desses inimigos. Acontece que, em dezembro daquele mesmo ano de 1998, o então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton mandou bombardear o Iraque em pleno Ramadan, acusando Saddam Hussein de não cooperar com os inspetores de armas da ONU. Foi a operação “Raposa do Deserto”.

Atônito, eu assistia, pela TV, às imagens que chegavam dos bombardeios. Os sons das bombas se misturavam aos alto-falantes das mesquitas que chamavam os fiéis para as orações e compunham uma melodia infernal. Diante daquilo tudo, eu sentia raiva. Raiva dos Estados Unidos por bombardearem um país à revelia de tudo e de todos. Raiva por saber que muitas pessoas inocentes morriam sob aquelas bombas. Raiva por perceber que, no confortável mundo pós-89, os Estados Unidos podiam fazer o que bem entendessem, como bem entendessem, pois não havia ninguém de peso para impedi-los. Pelo visto, o exército norte-americano não era tão bonzinho quanto os filmes da Sessão da Tarde nos queriam fazer acreditar. Perguntei ao meu pai, revoltado, por que o Iraque não contra-atacava, e ele disse que os iraquianos não tinham poder de fogo para tal. Fui tomado por um sentimento de impotência. Viver sob o consenso de Washington foi se tornando cada vez mais penoso. Os iraquianos não eram vilões, como a mídia tentava mostrar, assim como também não eram vilões os índios dos filmes de faroeste. Os vilões eram justamente aqueles que sempre venciam no final dos filmes.

A partir de então, sempre que brincava com meus soldadinhos de plástico, traçava enredos nos quais os Estados Unidos eram fragorosamente bombardeados, como que em uma vingança pelo que haviam feito com outros países. Entre os alvos preferidos estavam a Casa Branca, o Pentágono e o Capitólio. Lembro-me até de ter começado a escrever uma história na qual uma coalização de países árabes se unia para atacar os Estados Unidos, mas meu projeto não foi adiante. Penso que essas eram as melhores formas que eu tinha de externar minha indignação com tudo aquilo. Guardo até hoje um infográfico que a Folha de São Paulo publicou à época sobre esse episódio. O infográfico trazia um mapa do Iraque com as regiões atacadas e duas bandeiras – a iraquiana e a norte-americana, esta última rabiscada por mim em um momento de desgosto.

No ano seguinte, em 1999, Saddam Hussein saiu de cena para dar lugar a Slobodan Milosevic, ditador sérvio acusado de cometer atrocidades contra minorias étnicas no Kosovo. E novamente os Estados Unidos tomaram as rédeas da situação, bombardeando a Iugoslávia com o apoio da OTAN e despertando a ira de Rússia e China, além da minha própria. Novamente me veio aquele sentimento de impotência, enquanto os jornais noticiavam todos os dias novas mortes de civis sob os ataques das forças da OTAN. Mais do que nunca, os norte-americanos me davam asco, nojo, repulsa. Tomado por um anti-americanismo pueril, comecei a hostilizar tudo o que viesse daquele país – e isso bem no auge das boy bands! Detestava os Backstreetboys, o N’Sync, as Spice Girls (afinal, a Inglaterra era cúmplice dos bombardeios no Iraque e no Kosovo), não só pela sua música, mas também porque eles eram símbolos do imperialismo cultural norte-americano. Ridicularizava minhas colegas de escola que ouviam essas bandas. Foi com muito custo que, nessa mesma época, meus pais conseguiram me matricular num curso de inglês, de onde eu certamente teria pedido para sair, não fosse a extrema facilidade que encontrei no aprendizado desse idioma.

Mas o tempo passou, o ano 2000 passou (para o meu alívio!) e chegou o ano de 2001. Nunca vou me esquecer de duas cenas nesse ano. A primeira delas foi um vídeo exibido pelo Jornal Nacional em fins de agosto ou princípios de setembro no qual o famoso terrorista saudita Osama bin Laden ameaçava os Estados Unidos. A segunda delas foi aquilo que, acredita-se, tenha sido a concretização dessa ameaça: os ataques de 11 de setembro de 2001.

Acho que essa foi uma das datas mais marcantes da minha vida. Minhas brincadeiras de soldadinhos, bombardeiros e tanques de guerra de plástico se tornavam reais bem em frente aos meus olhos. Os ataques aos Estados Unidos que eu tanto ensaiara com meus pequenos exércitos e pelos quais eu sempre torcia, para vingar sérvios e iraquianos, se concretizavam nas imagens que eram exaustivamente repetidas em literalmente todas as redes de televisão naquele momento. Não soube bem como reagir àquilo tudo num primeiro momento. Só fiz questão de memorizar detalhadamente tudo naquele dia: o que eu tinha feito, qual era meu dever de casa, quais tinham sido minhas aulas de manhã – tudo para, um dia no futuro, poder contar a alguém: “no dia 11 de setembro de 2001 eu fiz...”. Nunca, em toda a minha vida, eu tinha tido tanta consciência de estar vivendo um momento histórico.

Não vivi a era dos extremos, mas vi o que nenhuma outra pessoa que viveu naqueles anos jamais havia visto: os Estados Unidos sendo atacados em seu próprio território. E o mundo do consenso de Washington desabava ali, à minha frente, junto com as torres do World Trade Center. Era o crepúsculo dos deuses do século XXI. Antes mesmo que eu ouvisse qualquer jornalista especular sobre a autoria dos ataques, eu já dizia para mim mesmo, com toda a certeza, quem era o suspeito número um. Era ele, só podia ser ele: o mesmo responsável pelos ataques às embaixadas norte-americanas na Tanzânia e no Quênia em agosto de 1998; o mesmo responsável pelo vídeo que, há poucas semanas atrás, mostrava terroristas em campos de treinamento no Afeganistão e emitia mensagens de ódio ao “grande satã”.

Curiosamente, o caderno internacional da Folha de São Paulo daquele dia 11 de setembro trazia uma notícia sobre o assassinato de Ahmad Shah Massoud, o líder da resistência afegã ao Talibã. Fiz questão de guardar a edição do dia 12 de setembro, que trazia estampada uma enorme foto do World Trade Center em chamas e o seguinte chamado: “EUA sofrem maior ataque da história”. Tenho essa edição até hoje, mas dessa vez me abstive de vandalizar a bandeira americana.

Confesso que me senti parcialmente responsável por aqueles ataques. Foram tantos anos praguejando contra os Estados Unidos e brincando de ataques ao Pentágono e ao Capitólio, que eu não consegui acompanhar aquelas imagens sem um pingo de culpa. Senti-me como um cachorro que, correndo incansavelmente atrás de um carro, fica sem saber o que fazer quando o carro finalmente para. Eis que os símbolos do poder do país que eu mais odiava no mundo haviam sido atacados: os Estados Unidos passaram de agressores a agredidos, “colheram o que plantaram”, como eu mesmo disse à época. Mas não: eu não estava feliz.

Enquanto bombas caíam sobre o Afeganistão, o ano de 2001 passava e chegava o ano de 2002. Havia mais uma Copa do Mundo pela frente. Precavido pela Copa de 1998, assisti aos jogos com um pouco mais de cautela, pois havia aprendido que nem sempre as copas acabam bem. 2002 deve ter sido a Copa mais feliz que já vi, não só porque o Brasil venceu, mas também porque seleções até então pouco tradicionais conseguiram um desempenho notável em detrimento das seleções mais badaladas: o Senegal bateu a França, a Coreia do Sul eliminou Itália e Espanha. Lembro-me que fiquei fascinado pela seleção turca, que por duas vezes enfrentou o Brasil e por duas vezes quase venceu. 2002 havia sido, na Copa do Mundo, o que 2001 fora na geopolítica: os algozes viraram vítimas, e vice-versa.

E o impacto dos eventos de 11 de setembro continuava a se fazer sentir sobre mim como nunca. Como não tivesse muitas pessoas para conversar sobre o assunto na vida real, recorri ao único mecanismo pelo qual poderia externar minhas angústias e convicções: a internet. Antes do Facebook, do Orkut e de quaisquer outras redes sociais surgirem, a melhor alternativa para quem gostava de debates eram os fóruns. E havia-os dos mais variados assuntos. Inscrevi-me certa vez num fórum sobre história, que reunia, principalmente, pessoas de esquerda. Esse fórum saiu do ar por algumas vezes, até que um belo dia ele saiu do ar definitivamente. Os antigos membros dele construíram outro fórum em outro endereço. Com o tempo, porém, esse fórum foi ficando cada vez menos movimentado, até praticamente implodir por inanição. Foi quando descobri um outro: o fórum comunismo.com.br, muito mais movimentado. Diferente dos anteriores, porém, o comunismo.com era uma verdadeira Floresta Amazônica de posições ideológicas. Foi nesses fóruns que comecei a conhecer os posicionamentos políticos, a entender as diferenças entre a direita e a esquerda e a me comportar em uma discussão. O único problema é que no comunismo.com, mais do que debatedores sérios, o que mais se viam eram caricaturas. Os membros de esquerda eram, quase todos, stalinistas, maoístas e defensores da Coreia do Norte e do domínio chinês sobre o Tibet e Taiwan. A direita, por sua vez, reunia desde os entusiastas de Pinochet e da Ditadura Militar Brasileira até os sionistas fanáticos pró-Israel e defensores da família, da Igreja e da propriedade privada. E um ou outro nazifascista sempre ficava perdido em meio ao tiroteio. O mais engraçado nos debates é que direita e esquerda, capitalistas e comunistas, rejeitavam a paternidade do fascismo. Ambas brigavam entre si enfurecidamente, uma empurrando para a outra a responsabilidade por aquele rebento bastardo.

Tendo em vista que esses foram meus primeiros contatos com o debate político-ideológico, até hoje a visão que tenho da direita e da esquerda é mais ou menos marcada por tais estereótipos. Acho que vai demorar um pouco até desvaneçam essas visões caricaturais inculcadas na minha cabeça.

Em 2003, aos 15, candidatei-me a uma vaga no programa de intercâmbio de jovens do Rotary Club. Conseguindo o primeiro lugar na classificação, pude escolher o país, e optei pela Malásia. Poderia ter ido ainda para as Filipinas, o Canadá, os Estados Unidos, a Alemanha ou Austrália, mas não me arrependi de minha escolha. Duas coisas especialmente curiosas aconteceram ao longo de minha seleção para intercâmbio. A primeira delas foi que, em um dos primeiros processos seletivos que fiz para intercâmbio, a redação consistia de uma carta. Tínhamos que imaginar como seria nossa primeira carta enviada aos nossos pais no Brasil após um mês de intercâmbio nos Estados Unidos. Acontece que eu não queria fazer intercâmbio naquele maldito país imperialista, de modo que fiquei um bom tempo pensando o que eu escreveria naquela redação. Acho engraçado como eles já partem do pressuposto de que todo mundo quer fazer intercâmbio nos Estados Unidos.

O que me leva ao segundo fato curioso. Quando passei no processo seletivo (na minha terceira tentativa, se bem me lembro), o Rotary Club dos Estados Unidos haviam exigido que eles só admitiriam o intercambista que tivesse passado em primeiro lugar na seleção. Ah, os Estados Unidos! Sempre exigentes, sempre arrogantes, sempre pretensiosos... Até hoje me pergunto: como será que os rotarianos daqui do Brasil explicaram aos seus colegas norte-americanos que o primeiro colocado tinha escolhido a Malásia, e não os Estados Unidos? Depois de todos aqueles anos vendo bombas norte-americanas caindo sobre o Iraque e o Kosovo, acho que isso foi o mais perto que já cheguei de uma vingança.

Um comentário:

maria neusa guadalupe disse...

Allievo querido: lendo sofregamente "suas memórias",que me mostram quão rico ser humano vc é...espero ansiosa a segunda parte...beijos leitores e admiradores da maria neusa,sua professora ...lembra???