Visualizações de página do mês passado

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

2 décadas

Hoje Marcelo acordou relativamente cedo, apesar das férias e apesar de mais uma vez ter madrugado. Tão logo caiu em si, demorou um pouco pra se lembrar que era seu vigésimo aniversário. Talvez esse tenha sido o único incentivo pra que ele se levantasse.
Ao longo do dia, repensou esses vinte anos como um estudante preguiçoso folheando seu livro. De início, ficou indeciso entre comemorar seus vinte anos ou comemorar o primeiro aniversário de sua aprovação no vestibular da UFMG, que, por uma feliz ironia, acabou saindo também em um dia 29/1.
De súbito, decidiu comemorar só seus vinte anos - de indecisões, sua vida já estava cheia. E ao repensar essas duas décadas de vida, enxergou nelas uma síntese da história da humanidade. De início, temeu, pois teve o receio de carregar consigo tanto ódio, tanto mal e desgraça, ainda que em menor escala. Mas com tempo, se empolgou com a idéia de poder servir como a personificação da história mundial.
Até seus quatro ou cinco anos de idade, viveu Marcelo sua pré-história, dado que há poucos resquícios desse período em sua mente, que foi marcado por uma relativa inatividade intelectual, mas por seus primeiros contatos com o mundo.
Dos seis aos quatorze, ele experimentou seu Período Clássico: muito interessado em livros, adorava ler, escrever, compor poemas, desenhas...Logo demonstrou um grande interesse pela Geografia e pela História. Nutria grande simpatia pelos textos de Monteiro Lobato e padre Anchieta. Sonhava alto com ser marinheiro, monge budista e escritor...Ou até mesmo secretário-geral da Agência Internacional de Energia Atômica.
Mas os anos difíceis vieram, e, lá pelos seus quatorze ou quinze anos, mergulhou na sua Idade Média. Até então, Marcelo jamais se interessara muito quando o assunto era vestibular. Tão logo entrou no ensino médio, tomou pavor mortal desse fenômeno. Não fazia mais sentido ser feliz, para ele, enquanto o vestibular não fosse superado. Em pouco tempo, o menino dos livros que sonhava alto, embalado nos seus poemas e nos grandes homens em quem se espelhava, tornou-se rabugento, descrente do mundo e da vida. Afinal de contas, pra todos os seus sonhos havia uma vestibular como pedágio. Os livros, o prazer de escrever e de saber, foram abandonados...Ir à escola virou um drama diário, que ele reprimia por meio do cultivo de um amor pela ignorância. Sua lógica resumida era: "se não consigo ser sábio o bastante pra vencer o vestibular, então pro diabo com a sabedoria".
O tal vestibular, convertido no bicho-papão de sua adolescência, o fez buscar abrigo no futuro, no porvir. Assim que foi aprovado em uma seleção pra intercâmbio, depositou aí mesmo suas esperanças. Sim, aleluia! A Malásia o salvaria - ainda que temporariamente - de todas as desgraças que infestavam sua vida. Na Malásia não tem vestibular, nem escola pra se preocupar.
Muito mais do que isso, a Malásia era sua esperança de fugir de uma outra angústia além do vestibular: suas carências sentimentais. Marcelo sonhava em ser diplomata pra negociar frente a frente com todos os Castros, Kadaffis e Husseins que existissem no mundo, mas era incapaz de gracejar uma menina.
O intercâmbio veio, e com ele, a dura lição: a salvação não está no porvir. Aquele que vive de mirar o futuro e menosprezar o presente está fadado a permanecer para sempre na Idade Média. Felizmente, não foi assim com Marcelo.
Seu Renascimento se deu no meio de seu décimo-sétimo ano de vida, assim que retornou do intercâmbio. Suas carências sentimentais estavam quase supridas - ele finalmente conseguira seu primeiro beijo - mas o vestibular continuava vivo.
Não tinha outro jeito: era aceitar a realidade e se preparar pra acordar desse horrível pesadelo. O Renascimento não foi tiro e queda. Tal como na história do mundo, ele ainda guardava resquícios feudais...
Mas eis que o temido vestibular foi superado! Iniciava então seu período de luzes: as luzes da razão. Os livros, o saber e o amor por escrever, abandonados em sua Idade Média, foram retomados. As luzes da razão apagaram as trevas que o vestibular dissipara: era quase como uma revolução burguesa!
A apoteose de tal conquista se deu exatamente há um ano atrás, em seu décimo-nono aniversário. Com a Malásia conquistada - e depois abominada - e o vestibular superado, o que mais ele poderia querer?
Mas logo surgiram as contradições. Tal como o intercâmbio não fora um paraíso bíblico da forma que se esperava, a temida - mas agora conquistada - "federal" não era nenhuma redenção. As luzes da razão dissiparam as trevas, mas logo essa nova fase da vida de Marcelo começou a se parecer cada vez mais com a outra, a do vestibular macabro, a do medo e da tensão...
Já dizia Marx em seu cultuado Manifesto, que na passagem da sociedade feudal para o Estado burguês, só o que muda é a classe opressora, nunca a opressão. Se antes quem dominava era sua mentalidade avessa ao saber e ao agora, quem passara a dominar dessa vez era sua mentalidade racional, também reprimida outrora.
Mas, se as trevas se dissiparam e a razão não mais era oprimida, quem saiu perdendo com isso tudo?
Sim...Marcelo também tem sentimentos. A derrubada da velha ordem não fez cessar a opressão em que vivia sua classe sentimental. Um grito de pavor ainda ecoava, mesmo com o demônio do vestibular trespassado por uma lança, já sem sinais de vida.
Confiante que estava na razão e no saber como armas letais que derrubam tudo o que lhe vier de ameaça pelo caminho, Marcelo muito se assustou ao ver que nem tudo nele estava feliz. As bases de sua mentalidade racional hão de tremer sempre que seu lado sentimental insistir em se manifestar. Afinal de contas, classe proletária jamais escapará de suas angústias enquanto houver burguesia.
E agora, então? Agora Marcelo se encontra na berlinda da história. Não pode haver revolução sentimental sem uma classe racional fortemente consolidada, o que não é fato na vida de Marcelo. Quem sabe, no seu próximo aniversário ele não estará celebrando a derrubada de sua já antiquada mentalidade racional em favor de uma nova ordem: plena, serena e sem exploração?
A história condenará Marcelo por plágio? Deixem que outros 29´s de janeiro venham, e então saberemos.
E a propósito, é importante ressaltar, a título de conclusão, que Marcelo é, ninguém mais ninguém menos, que este quem vos fala! Ele prefere se descrever assim, na terceira pessoa, pelo mesmo motivo segundo o qual Brás Cubas achou conveniente se descrever depois de morto. Falar de si mesmo na terceira pessoa te desvincula de todas as suas responsabilidades por seus atos, além de evitar que um caráter excessivamente egoísta seja impregnado ao teto. Sendo assim, feliz aniversário Marcelo! Continue espelhando-se em seu livro de História do ensino médio para viver...

3 comentários:

Ro disse...

Parabéns Marcelo! Pela vida atribulada porem tao rica que vc tem! Que vc continue escrevendo e trazendo mais riqueza para nossas vidas também!
Beijos carinhosos da prima,
Ro

Unknown disse...

marrrrrrrrrrcelo,
não lembro se te dei parabéns...então PARABÉNS novamente ou PARABÉNS um pouco atrasado, mas como você se preocupa com o agora e não com o passado, me sinto menos culpada!
E outro PARABÉNS para sua iniciativa e coragem de publicar suas divagações!Você realmente aprendeu alguma coisa do materialismo histórico de Marx!(estou dando uma de entendida agora!rsrs)
bjao

Thiago disse...

Sei que não é um post recente, mas fica aqui minhas saudações e o desejo de um feliz aniversário para o Marcelo, um camarada que adoro conversar, um bom amigo, um grande pensador, ousado em sonhos, e acima de tudo um grande ser humano.

Abraços e saudações, bom conhecer seu blog, gosto de conversar com vc e suas ideias são interssantes.
Mantenha contato amigo!