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domingo, 15 de janeiro de 2012

Confissões de Augsburg - ao ataque!

Você que leu meu último texto deve ter refletido acerca da minha inquietude acadêmica. De fato, desde que pus meus pés no curso de História já pensei em me especializar nos mais diversos e contraditórios temas, sendo que nunca fui capaz de levar sequer um deles à frente; sempre aparecia outro tema mais atraente pelo caminho, que depois também era substituído por outro e assim por diante. Ao contrário do que vocês podem pensar, isso nunca me foi estranho. O que uns chamam de indecisão eu chamo de democracia interna. Não me vejo como uma pessoa confusa ou contraditória: apenas permito a mim mesmo ter uma vasta gama de opiniões acerca de um mesmo objetivo. Se isso me traz inconvenientes? Claro que sim. Os mesmo inconvenientes que existem em um parlamento ou em uma assembleia estudantil compostos das mais diversas orientações ideológicas. Inconvenientes sobre os quais nós simplesmente não podemos passar um rolo compressor. E aliás, não pense você que eu cheguei onde estou após seguir cuidadosamente um mapa bem elaborado. Ao longo de minha vida, pouquíssimas foram as vezes nas quais eu me vi estudando História. Só depois de fazer um semestre de Relações Internacionais, outro de Ciências Sociais e depois mais outro de Relações Internacionais foi que finalmente percebi que o meu lugar era nesse curso no qual estou agora – isso sem falar que no primeiro período ainda tinha minhas dúvidas. E desde o segundo período agradeço cada dia da minha vida por ter contrariado pais, amigos e colegas e decidido por prestar outro vestibular. Enfim, acho que o que quero dizer é mais ou menos isso: algumas pessoas precisam sofrer vários desvios ao longo do caminho a fim de achar o trilho certo.

Ao longo de minha busca frenética por livros de História nazistas no país que mais quer esquecer esse período tenho feito várias descobertas. Uma delas (anteontem) foi que Hitler escreveu um segundo livro após o “Mein Kampf”, em 1928. Ele só foi publicado após sua morte e, como não tinha nome, recebeu apenas o título de “Segundo livro de Hitler”. Diferente do primeiro, esse segundo é pouco conhecido e até fácil de achar – encontrei-o na estante da biblioteca da minha universidade e em vários sebos virtuais aqui na Alemanha mesmo; ele tem uma série de observações muito valiosas acerca da visão de História e de política externa que o führer tinha, e que pretendo abordar na minha pesquisa, comparando com a historiografia integralista. O “Mein Kampf” é proibido de circular na Alemanha e só pode ser utilizado para finalidades acadêmicas. Existe um exemplar na biblioteca da universidade, mas ele está na coleção especial, precisa ser encomendado (assim como quase todas as obras de intelectuais nazistas, como Alfred Rosenberg, Walter Frank e Karl Alexander von Müller). O melhor local para se achar obras de autores nazistas no idioma original é a própria terra natal de Hitler. Enquanto estive na Áustria encontrei o “Mein Kampf” e diversas outras obras de intelectuais do Terceiro Reich em pelo menos três sebos de Viena. Me faltou coragem – e principalmente dinheiro – para comprar, mas ainda terei outras oportunidades de passar por lá. E se depois dessa você vier com uma do tipo “Marcelo, você é nazista ?!” eu respondo que sim. E ainda acrescento que tenho um monte de professores e colegas na UFMG favoráveis à restauração da escravidão no Brasil. É mole?

Mas como eu ia dizendo, estive em Viena entre 27 de dezembro e 2 de janeiro para aproveitar o recesso escolar aqui na Alemanha. A Áustria é um lugar fantástico, o único que eu realmente fazia questão de conhecer quando viesse para a Europa. Viena é cheia de construções antigas, museus, castelos e – como eu já disse – sebos e antiquários! É cada coisa que você encontra nesses sebos que você nem acredita. Desde diplomas autografados por Adolf Hitler (vi um que custava 1000 euros) até bandeiras da União Soviética e uniformes militares antigos. Bem no centro da cidade tem uma espécie de calçadão onde se concentram lojas, restaurantes, bancos e cafés. Como era fim de ano a cidade – e especialmente esse ponto – estava em polvorosa: muita gente indo e vindo e, pra todo lado, artistas de rua de todos os lugares do mundo abusando do seu talento em troca de dinheiro. Vi de tudo: grupos de break dance, flautistas peruanos, estátuas humanas, operadores de marionetes que tocavam instrumentos... Impossível andar sem topar com um desses.

Creio que minha única reclamação em relação à Áustria nada mais é que um complemento das minhas reclamações na Alemanha: a dificuldade sobre-humana de se achar água mineral sem gás para comprar e o “faça você mesmo”. A primeira alternativa é autoexplicativa. Aqui na Alemanha têm lugares nos quais peço água sem gás e tudo o que recebo é um olhar espantado do atendente, como se eu estivesse pedindo a coisa mais estranha do mundo, seguido da resposta “só tem com gás”. E não suporto água com gás por nada nesse mundo... Duas vezes em dois restaurantes em Viena pedi água sem gás e me serviram água gasosa; nas duas vezes tive que chamar o garçom e explicar que eu queria sem gás. Acho que eles estão tão pouco acostumados a servir água com gás que quando pedimos “água sem gás” eles nem ouvem a última parte. No supermercado próximo ao hostel onde fiquei tentei achar água sem gás para comprar, mas também sem sucesso: tinha água gasosa, água com sabor de pera e de maçã, mas nada da maldita água sem gás.

Em relação ao segundo ponto (o “faça você mesmo”) a melhor ilustração foi também em um restaurante. Pedi um prato que demorou mais de uma hora e meia para sair. Acontece que ele era muito grande e eu não dei conta de comer, então disse ao garçom que queria embrulhar para comer em casa (odeio desperdiçar comida). Ele então me trouxe uma sacola plástica e um rolo de papel alumínio, colocou na minha mesa e disse: “pode embrulhar!”. Acredite ou não, eu não me surpreendi. Eu já havia notado que na Alemanha é tudo você quem faz: nas lavanderias você lava sua roupa, nas copiadoras você é quem xeroca e imprime, no posto é você quem abastece, no trem é você quem invalida seu bilhete. É por isso que até hoje eu não entendo como é que na universidade eles entregam, no primeiro dia de aula, um calhamaço com todos os textos a serem lidos no semestre. Se fosse para seguir a lógica, cada um deveria pegar o livro na biblioteca e xerocar por conta própria. Mas enfim, eu embrulhei e levei a comida para casa e tive jantar garantido no dia seguinte.

Na Áustria, mais do que na Alemanha, me surpreendeu a quantidade de brasileiros que encontrei pelo caminho. Eles estavam em todo lugar (e à medida que viajei para o leste se tornavam mais frequentes). A virada do ano eu passei em frente à prefeitura, com muitos fogos de artifício e um grande palco armado pela rádio local onde uma banda tocava músicas consagradas desde a década de 1960 até os anos 2000. No calçadão onde ficavam os artistas de rua também havia muitos palcos, cada um tocando um estilo de música diferente. Se você enjoasse, era só mudar de lugar. Duas músicas que marcaram essa viagem foram, sem dúvida, Michel Teló com seu “Ai, se eu te pego” e outra banda com uma tal de “Dança Kuduro”. Na noite da virada passei por um grupinho de pessoas na rua que cantava “ai, se eu te pego” em um português até razoável.

Não vou ficar aqui dando sugestões de lugares interessantes para se visitar em Viena, até porque esse não é um blog turístico e essas informações você pode achar em centenas de milhares de sites na internet. Também não vou ficar me atendo a dados do tipo “população de Viena, história, curiosidades”; para isso criaram a Wikipedia. Só o que me marcou de modo especial foi o parlamento austríaco, que tem algumas estátuas muito bonitas ornamentando sua fachada.

Dia 2 de janeiro foi a vez de seguir em frente. Leste europeu: Eslováquia! Aqui vai mais um motivo pelo qual não fico dando dicas turísticas nesse espaço. Vi na internet uma série de relatos de viagens de brasileiros que já estiveram em Bratislava, capital da Eslováquia. Fui pra lá esperando o pior, pois era assim que descreviam o local: sujo, cheio de pedintes, parado, sem-graça, monótono. Tudo mentira. Foi, de fato, uma das melhores cidades que já conheci na vida! De fato lá é uma cidade pequena para ser capital, mas tem um centro histórico muito bonito, com estátuas excêntricas e uma rota (marcada por pequenas coroas talhadas no chão) que mostra o caminho que os monarcas do Império Austro-Húngaro faziam ao serem coroados. Fora isso, a cidade tem muitas estátuas e memoriais do tempo do comunismo, um grande shopping center, um castelo no ponto mais alto e uma ponte sobre o Danúbio com uma torre, do alto da qual tem-se uma vista panorâmica da cidade. O observatório da torre é no formato de um disco-voador e dizem que é um lugar para se observar OVNIS à noite. As pessoas na cidade também são muito simpáticas e sempre dispostas a ajudar, principalmente a equipe do hostel onde fiquei; isso sem falar que a comida é uma delícia. Enfim, para alguns isso é monótono, para mim foi uma experiência inigualável (no bom sentido).

Na Eslováquia, mais ainda do que na Áustria e na Alemanha, encontrei muitos brasileiros pelo caminho, acredite ou não. Após dois dias em Bratislava segui para Budapeste, na Hungria, onde o número de brasileiros só iria aumentar.
Das três cidades que visitei Budapeste foi, sem dúvida, a mais bonita. Diria até que foi a segunda cidade mais bonita que já vi na vida, perdendo apenas para Ouro Preto por uma pequena diferença (se não fossem aquelas malditas repúblicas estudantis, a diferença seria maior). Nunca me senti tão em casa na Europa como em Budapeste. Talvez porque ela nada mais é do que uma versão macro da FAFICH. Lá tudo é alternativo, tudo é meio underground (quase todos os restaurantes que fui eram em porões), além do fato de que ainda se guardam muitas reminiscências do tempo do comunismo. A cidade é cortada ao meio pelo Danúbio, sendo que de um lado está Buda, e do outro está Peste (até a segunda metade do século XIX eram duas cidades). Os metrôs de Budapeste são os mais antigos da Europa, todos pichados e um pouco capengas, mas isso só fez crescer minha afeição pela cidade.

Os húngaros lutaram dezenas de anos contra o domínio otomano (nos séculos XVI e XVII) e austríaco (no século XIX). Existem várias estátuas exaltando os heróis da luta de libertação contra os muçulmanos. E o mais interessante nessa história toda é que na Hungria você visita o Museu Nacional, aprende o quanto os húngaros sofreram para se livrar do Império Otomano e depois sai do museu e vai jantar um kebab em um dos muitos restaurantes turcos da cidade. Aliás, devemos dar duas vezes graças a Deus (ou a Allah?) pelos turcos na Hungria e na Europa como um todo. Primeiro porque graças a eles existem, em quase toda a Europa, diversos restaurantes de comida turca onde você se enche de tanto comer e paga muito pouco; enfim, para estudantes que viajam com pouco dinheiro e se hospedam em hostéis, é uma alternativa ainda mais viável que o velho McDonalds. Segundo, porque, pelo menos na Hungria, eles deixaram uma importante herança: as casas de banhos termais. Com o frio que faz no inverno esses banhos são uma salvação. O melhor de todos é a piscina de 38 graus: é a temperatura perfeita para você relaxar sem sentir muito calor.

E a propósito, uma coisa que Budapeste me ensinou foi que a melhor forma de se orientar em uma cidade que você não conhece é visitando o museu de história antes de qualquer outro lugar. Lá vi a história dos grandes heróis nacionais cujos nomes foram dados às principais ruas, praças e estações de metrô da cidade. Depois de passar no museu, ficou muito mais fácil decorar os endereços.

Mas nem só os turcos e os austríacos. Os húngaros também tiveram de lutar contra os soviéticos. No museu e em outros pontos da cidade se exalta bastante a resistência dos húngaros diante do domínio comunista, principalmente a revolução de outubro de 1956. Em um memorial em frente ao parlamento há uma placa com a frase de um intelectual com dizeres claramente anticomunistas; algo do tipo “mesmo após a derrocada da URSS, é muito difícil acabar com o comunismo”. Para eles isso até soa normal, e eu compreendo. Os húngaros são assombrados pelo comunismo assim como os alemães pelo nazismo. Mas para alguém que vem de um país governado durante 21 anos por um regime repressor que tinha a incumbência de livrar o país do perigo vermelho, aqueles dizeres na placa soaram meio mórbidos.

Apesar disso, Budapeste é o paraíso dos comunistas de boutique. Pensando bem, acho que os húngaros não são tão assombrados pelo comunismo como os alemães pelo nazismo. Na Hungria eles aprenderam a fazer turismo com isso. Na saída da cidade existe um memorial com várias estátuas do tempo do comunismo: Marx, Engels, Lenin, trabalhadores e soldados olhando para o horizonte são algumas das estátuas mais comuns. Na loja que existe na entrada no memorial vendem-se cartazes de propaganda comunista, quepes militares soviéticos, canecas retrôs com fotos de líderes comunistas além de isqueiros, caixas de fósforo e medalhas com símbolos da URSS. Mas nem tudo é levado a sério. Eu, por exemplo, comprei um cartaz com a foto de Lenin, Mao e Stalin no qual estava escrito “Os três terrores”. Vou levar para pendurar na entrada da FAFICH. Havia também camisas com esses dizeres. Ao lado do memorial ficava uma sala interativa com fotos do tempo do comunismo. Também nessa sala tinha um pequeno cineminha que rodava vídeos de propaganda soviética. O que eu vi era um vídeo dando aulas de espionagem para agentes do serviço secreto.

Outra coisa que me surpreendeu em Budapeste foi que, pela primeira vez desde que saí do Brasil eu almocei em um restaurante self-service a quilo. Achei um restaurante ao lado do Danúbio que fazia parte de uma cadeia de restaurantes self-service (os únicos da cidade; eram de um proprietário norte-americano). Aí mais uma vez eu refleti sobre o “faça você mesmo”: se esses europeus prezam tanto a autossuficiência, podiam disseminar essa ideia de comida a quilo. Já que você xeroca, você imprime, você abastece, você lava a roupa, você embrulha a comida pra levar pra casa, então você que sirva sua própria comida! Nunca vi comida a quilo na Alemanha e sinto muita falta disso.

E assim se passou meu final e começo de ano. Treze dias de viagem, três cidades, três países e sequer meio floco de neve. Esse inverno está me decepcionando. Só fui ver neve no caminho de volta, entre Salzburg e Munique. Agora estou me preocupando em correr atrás do prejuízo: tenho vários trabalhos a entregar em fevereiro e uma prova oral. Além disso, continuo tentando providenciar os livros de historiadores nazistas, já de olho em minha monografia que inicio esse ano (essa foi minha única meta para 2012). Essa semana chega aqui em casa o livro do Walter Frank que encomendei: “Geist und Macht”, e nessa semana mesmo devo encomendar mais outros, inclusive o segundo livro do Hitler (que achei a um preço muito bom).

Desejo a todos um feliz 2012 e agradeço pela atenção!

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